Na passada segunda-feira, na Biblioteca da Rainha, no Palácio das Necessidades, em Lisboa, no preciso dia em que se completaram cem anos sobre o nascimento de Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira, o Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros homenageou este último ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, cuja família doou ao Arquivo Diplomático quase um milhão de documentos que integravam o espólio do ilustre homenageado, juntamente com uma pasta de pele, com o seu monograma dourado que dá título a esta crónica.
No dizer de Margarida Lopes, directora daquele Arquivo, a documentação doada constitui o “maior arquivo pessoal que alguma vez aqui foi recebido”.
Na modorra característica deste regresso de férias, decidi eleger esta notícia para tema de uma curta reflexão porque a mesma, de alguma forma, constitui um barómetro do estado da nossa democracia.
Na verdade, é agradável constatar que, sem quaisquer complexos, com coragem, um ministério de um governo socialista foi capaz de organizar uma homenagem a um diplomata e político que, a despeito de ter sido ministro dum regime autocrático, como foi o do Estado Novo, foi um brilhante diplomata, um distinto governante e um denodado e combativo servidor da pátria.
Como também surpreende pela positiva que a família do Dr. Franco Nogueira, representada pela sua filha Wanda, apesar de o pai, durante o PREC, na sequência do “ajuste de contas” que se seguiu à revolução do 25 de Abril, ter estado preso durante oito meses e ter vivido, durante alguns anos, exilado em Londres, tenha colocado o interesse histórico-diplomático do país acima de ressentimentos e agravos pessoais em que são pródigos os processos revolucionários.
É sabido que o Dr. Franco Nogueira foi um amigo e leal servidor do Dr. António de Oliveira Salazar e que, como nacionalista e conservador, defendeu, de forma enérgica e com convicção, a política africana da ditadura. Em todo o caso, esse alinhamento colonialista não impediu que o homenageado, no dizer dos seus pares, tivesse imprimido à acção diplomática um estilo novo, marcado por uma forma “mais agressiva, mais pública e mais emotiva, ainda que colocado ao serviço de uma estratégia condenada.”
Na dita cerimónia de homenagem, foi justamente salientado que o homenageado ajudou a criar a “capacidade excepcional dos aparelhos da política externa portuguesa” que, sobrevivendo intacta, até aos dias de hoje, ajudou bem recentemente o nosso país a conseguir eleger para dois dos mais altos cargos internacionais duas personalidades de relevo da política nacional.
Para além disso, é público que o Dr. Franco Nogueira (F.N.) foi um excepcional homem de cultura, um insigne professor do ensino universitário privado, crítico literário, pensador e biógrafo, que teve no seu livro “Salazar”, publicado em seis volumes, a sua obra maior. Mas que soube aliar a essas singulares qualidades a nobreza de carácter, a coragem, a liberdade de espírito e o amor pátrio que definem os grandes homens.
E quem estudou mais profundamente a sua vida pública e as suas ideias, pode dizer, como Jaime Gama, que aqui cito textualmente, que “não é dedutível do pensamento de Franco Nogueira a apologia da ditadura como sistema político”.
De resto, sabe-se que F.N. teve amigos anti-Salazaristas, manteve contactos com jornalistas que se não reviam no regime do Estado Novo e que chegou a sugerir a Salazar um referendo à política ultramarina, ainda que até à queda do regime se tivesse mantido um defensor acérrimo do integracionismo.
Por último, talvez não seja despiciendo dizer que F. N. teve sempre a seu lado uma grande mulher luso-chinesa, Vera Franco Nogueira, recentemente falecida, que, juntamente com Gilberta Paiva, foi essencial na criação da Academia de Música de Santa Cecília, segundo testemunho qualificado de Marcelo Rebelo de Sousa.
Eis porque, na memória histórica do Estado Novo, A.M.G.F.N. ganhou direito a figurar como personalidade de relevo nacional.
Autor: António Brochado Pedras