Então o Senhor, o criador do Universo reflectiu demoradamente, colocou a Si mesmo várias situações para colmatar a solidão e concluiu: vou criar o homem. Mas novamente se Lhe deparou o problema da chave da felicidade: se coloco a chave no fundo dos mares, o homem pode penetrar neles e encontrar a chave; se a coloco nalguma galáxia o mesmo pode acontecer; se numa gruta ou no monte mais alto do mundo, também pode encontrar a chave.
Assim, Deus, embora soubesse tudo e de tudo, quis esperar mais uns dias e, quando o sol começava a raiar, a aquecer o Universo, encontrou o lugar seguro para a chave: colocarei a chave da felicidade dentro do próprio homem. E criou o homem e dentro dele colocou a chave.
Conhecem os cristãos a parábola do Filho pródigo. Ela tanto pode ser lida e não passar de uma bonita história, como ser meditada, saboreada e, para quem entender, a parábola que podemos recordar no Novo Testamento, tem uma profunda lição, uma reveladora lição, ensinamentos que podem renovar mentalidades, corações, diferentes normas de vida, isto é, desde que o homem use a chave da felicidade que possui, será realmente feliz. Tal chave é imperdível. Pode nevoeirar-se, mudar milimetricamente mudar de sitio no próprio homem, mas perder-se no homem, jamais.
Mas vamos ao resumo da Parábola do Filho pródigo, segundo Lucas 15, 11-32: um homem tinha dois filhos e, um dia, o mais novo pediu ao pai que lhe desse a parte da herança a que tinha direito, pois queria viajar, conhecer o mundo etc. O pai do jovem, triste por tal reivindicação, concedeu ao filho o que lhe pertencia por direito e vê-o partir de coração despedaçado. O filho, ao pedir a sua parte da herança, naquele tempo e naquela cultura, queria dizer que um herdado antes do tempo, era cortar com a família, era desaparecer para sempre.
Desse modo, o jovem da Parábola, vai, conhece o mundo, goza a vida, vive burguesmente, entra em devaneios e finalmente sente-se sem dinheiro, só, frustrado, desesperado. Pensa na vida, no que não tem, no que desperdiçou, no mal que a si mesmo causou e conclui que procurou a felicidade fora de si, mas que é dentro de si que tem a solução para anular a sua desgraça: recorre à chave da felicidade que Deus lhe deu; recolhe ao lar do seu próprio eu, e embora consciente que tem o direito de melhorar a sua vida exterior, sabe que não pode viver de costas voltadas para o seu próprio ser e regressa ao lar que tinha abandonado, e é o seu próprio pai que o recebe de braços abertos, lhe perdoa e encomenda a festa do seu regresso.
O irmão mais velho não aceitou a situação do regresso. Questionou o pai pelo gesto efectuado, mas seu pai disse-lhe: alegremo-nos, porque teu irmão estava perdido e foi reencontrado, estava morto e voltou à vida.
Na verdade, no exterior, pode o homem encontrar prazeres e dor, amores e desamores, traições e cobardias vis, encontros e desencontros, festas, falsas alegrias, tédios, desespero e desorientação, mas a felicidade permanente só pode ser encontrada dentro de cada um, com a chave da felicidade que todo o homem transporta. A paz interior, a consciência tranquila, a certeza que os outros que nos estão mais próximos se sentem felizes com a nossa presença, é deveras cristianismo.
Assim sendo, é bom recordar que vivemos neste tempo o tempo da Quaresma. Quem não se sentiu já a viver unicamente virado para o exterior, não dando possibilidades ao interior de pensar como vai, como tem vivido e, como, sobretudo, se tem pensado se os outros são felizes a seu lado? E como “não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes”, pegue-se na enxerga e caminhe-se na direcção do interior, do coração e da cabeça, buscando e usando a chave que Deus colocou no interior de cada homem, para nunca ficar só. Assim acontecerá Páscoa e a lenda jamais será esquecida.
(O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico).
Autor: Artur Soares