É a segunda vez que dedico este espaço às decisões que vão apimentando os tribunais portugueses. Primeiro a propósito da decisão que ilibou o ex-governante Miguel Macedo, acusado, afastado da governação e anos mais tarde absolvido com direito a uma horas de consolação na Comunicação Social. Agora, é a vez de Azeredo Lopes “crucificado” na onda mediática que tem contaminado a mandíbula insaciável do Ministério Público.
Atente-se que sou um defensor acérrimo do exercício autónomo, responsável e proativo dos tribunais – e não obstante, sou apanhado, como todos os portugueses e portuguesas, pelas decisões erróneas que mancham a credibilidade de quem se sente livre para acusar, que se faz acompanhar das câmaras de televisão numa dupla missão: a de parecer o que nem sempre é (transparente) e forçar a aceitação na Opinião Pública, na condenação à priori de quem só consegue defender-se quando o próprio Ministério Público reconhece, em sede de julgamento, que aquela pessoa não devia estar ali.
É estranho, no mínimo, que no seguimento de todas as decisões e quando se esperava que alguém tivesse a humildade de pedir desculpas, sobre apenas uma declaração de circunstância, uma formalidade jurídica e nada mais. A vida desfeita, a exposição pública, os danos causados à reputação ficam para as calendas e que cada um dos condenados se desenrasque na vidinha.
Estranheza, ainda, por ver que em Portugal, uma das dimensões estruturantes da Democracia, usa o poder e a liberdade que tem para construir processos de acusação, ao abrigo de uma impunidade formal que lhe permite passar incólume ao crivo mediático que também nada faz para investigar a investigação e explicar aos leitores, ouvintes ou telespectadores, o que correu mal quando se detém alguém ao abrigo de muitas interjeições superlativas que elevam a excelência da Justiça para o fundo falso dos factos, apesar da aparente consolidação acusatória dos casos.
Ninguém duvide do sucesso e mérito da Procuradoria Geral da República no seu papel fundamental em Democracia, mas todos temos o direito de repudiar a ânsia e o malabarismo mediático que abala a credibilidade da Casa onde era suposto que a Justiça, sendo cega, se encarrega de nos proteger dos próprios instrumentos jurídicos que alicerçam um Estado de Direito.
Uma defesa que deveria começar antes e não depois. Ou seja, uma defesa que deve começar na preocupação de não transformar indícios em certezas absolutas, de avaliar os factos sem presunção de que basta a aparência ilusória para construir uma história de acusação.
É de estranhar por isso, as palavras da Procuradora Geral da República que, na tomada de posse do senhor Procurador da República, no Porto, tenha pedido aos procuradores “uma conduta que desencoraje as investidas espúrias e assassinas”, impedindo “um destruidor manto de descrédito” sobre o seu trabalho. Fiquei sem perceber se o recado era para dentro ou para fora. Se era para dentro, a bicada serve bem para os que acusam e não provam, se era para fora, o que também, é plausível, a sua declaração é preocupante, na medida em que baseia o medo nos efeitos perturbadores da credibilidade junto dos cidadãos e das cidadãs e dos verdadeiros delinquentes deste país.
Se o sentido do que é espúrio se assemelhasse ao que é dito pelo Dicionário ficaríamos a saber que na PGR todos os significados cabem na panela da Justiça: tanto pode significar “despojado, privado”; como “contrário às regras; “a que faltam os sintomas característicos ou habituais” ou ainda o esclarecedor “cujo autor não é aquele a quem se atribui a autoria”. Tantos significados podem assassinar a preocupação da PGR que poderia, muito bem, ter acrescentado no recado que se nada for feito para credibilizar e honrar os que se dedicam com serenidade ao exercício da procura da verdade, o mais certo é que a Justiça, em Democracia, cresça sem “ter pai certo ou que não pode ser perfilhado”.
Quero crer, que a PGR deseja tanto como eu que todos os assassinos da Democracia sejam julgados e condenados e que a melhor forma de a defender, é conduzir com serenidade, ponderação e recato o que se espera dela: que faça Justiça antes, para não ser expurgada da sua credibilidade nos tribunais. Na defesa do Estado de Direito, à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer. E neste capítulo, começa a ser evidente que o feitiço mediático se está a virar contra o feiticeiro. A Democracia fica assim mais pobre.
Autor: Paulo Sousa