Entre 6 e 10 por cento dos eleitores referenciados nos cadernos eleitorais elaborados pela Comissão Nacional de Eleições são eleitores fantasmas, um número que se pode traduzir, no mínimo, em 600 mil pessoas que se encontram inscritas e que vão contribuir para inflação da Abstenção. Porquê? A quem serve esta adulteração que envergonha o país e a sobriedade que deveria existir nas decisões de quem manda? Apontar o dedo ao elo mais fraco – a CNE – é simplesmente virar as costas a quem nunca se importou com esta distorção que põe em causa a verdade eleitoral. A Assembleia da República podia e já deveria ter resolvido o caso, mas mais uma vez, a falta de vontade venceu e lá estaremos nós, tal como aconteceu nas recentes eleições autárquicas, a brincar com o fogo, a vociferar sobre a ausência das portuguesas e dos portugueses dos atos eleitorais, sem sabermos ao certo quantos são. Sabemos com toda a certeza que são menos do que as estatísticas oficiais e que o esforço que os bracarenses fizeram permitiu estancar a abstenção real, se não reduzi-la e escrevo isto no condicional, porque apesar da minha convicção que houve um aumento na ida às urnas, nunca saberemos a sua verdadeira dimensão. Faz falta repensar o modelo de gestão das eleições. Precisamos de uma lei eleitoral que espelhe a verdade e que expurgue os desequilíbrios notórios que proporciona desigualdade entre grandes e pequenos partidos, entre grandes e pequenos distritos. Se quiser acrescentar a esta drama da Democracia portuguesa, as centenas de milhar de portuguesas e portugueses que vão ficar em confinamento, podemos imaginar o cenário dantesco que nos espera nas contas finais: uma abstenção inflacionada por motivos que não deveriam servir de desculpa. O papel das autarquias locais será, por isso, fundamental para minimizar o risco de acrescentar um problema ao drama da abstenção natural. Vivemos, assim, um drama acentuado por um silêncio confrangedor dos partidos e da própria Comissão Nacional de Eleições que se tem remetido a um insuportável silencio nesta matéria. A função pedagógica deste organismo autónomo do Estado também deixa a desejar. O processo de Comunicação e de empatia das suas mensagens não funciona, é anacrónico para as exigências que se colocam hoje ao país e à nossa Democracia. O seu papel não pode ser resumido à condução legalista do processo. A sua experiência e saber acumulados deveriam estar ao serviço das pessoas, a um trabalho que deveria ser posto em prática no terreno junto do eleitorado, sobretudo junto dos mias novos, dos que vão votar pela primeira vez e dos que continuam a desconfiar do sistema e a recusarem-se a ir às urnas. Os próprios partidos políticos, tal como o dissemos no escrutínio anterior, têm de mudar e eles sabem-no melhor que ninguém que, se continuarem nesta demanda, o mais provável é continuarem a serem contribuintes líquidos para o aumento do desinteresse das eleitoras e dos eleitores pela sua existência. Iniciámos hoje a campanha do Movimento de Cidadania Contra a Indiferença com um apelo para que aproveitem a oportunidade para conhecerem as propostas dos diferentes partidos, apareçam nas iniciativas públicas das diferentes candidaturas e façam como eu que anteontem assisti à apresentação pública dos candidatos e do programa eleitoral do partido Pan e que pretendo ir a iniciativas de todas as candidaturas para, simbolicamente, testemunhar, com a minha presença, a necessidade de sermos cidadãos ativos. Se condenam, se não gostam do caminho que os partidos têm percorrido, confrontem os seus dirigentes e candidatos, participando, debatendo, ouvindo, sem que isso signifique qualquer compromisso militante. Não aproveitar esta oportunidade retira-nos a legitimidade que a Democracia outorga para livremente escolhermos de forma informada e crítica aqueles que consideramos os melhores entre nós para governarem a coisa pública que nos pertence a todos. As mudanças fazem-se dentro e não entrincheirados, como se estivéssemos numa guerra entre cidadãos e partidos. Essa é a pior forma de participarmos ativamente na solução dos problemas e nas respostas aos desafios que são colocados à sociedade como um todo. Temos pouco tempo e o que resta será dedicado ao debate no que foi designado como “Diálogos com a Democracia”. Todos somos chamados a superar este desafio e a continuar dando um exemplo de responsabilidade, como fizemos e estamos a fazer com a pandemia, vacinando-nos contra a Indiferença. Este é o meu desejo para 2022 para todas e todos os cidadãos.
Autor: Paulo Sousa