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A importância do xis no quadrado

Sempre que se aproximam atos eleitorais os políticos apelam à participação cívica através do voto, sendo com pesar que no final se percebe que a convocação não diminuiu a abstenção. Alguns abstencionistas até se reclamam vitoriosos, como se as múltiplas causas que lhe dão origem pudessem ter uma única marca identitária.

O voto é um dever, mas sobretudo um direito que levou séculos a conquistar, custando a aceitar que, obtido na sua universalidade, seja tão superfluamente desperdiçado, fazendo lembrar aqueles que toda a vida desejaram ter uma casa na praia e que, depois de a adquirem, raramente a frequentam.

Os traços fundamentais do regime democrático remontam ao governo da Grécia no século V A.C., prevendo a igual participação no exercício do poder aos cidadãos livres e por isso iguais, dando corpo às palavras de Aristóteles “a liberdade é o princípio da prática democrática”. Mas se na Eclésia o cidadão ateniense tinha o direito de tomar a palavra e de votar, crê-se que apenas 30% da população adulta deAtenasera elegível para essa participação, pois escravos, mulheres e estrangeiros não podiam votar nem intervir nas instituições democráticas.

Há todo um percurso que foi necessário realizar até aos nossos dias para generalizar o voto a todo o povo, passando pela luta das mulheres e o voto para todos e com igual peso, pelo que nenhuma comunicação que contribua para o voto surge em vão. Mesmo votar em branco traduz uma atitude diferente relativamente à opção livre de ficar em casa. Mas o que realiza a democracia é o voto efetivo num dos partidos que se apresentam a sufrágio.

Um argumento contra as eleições é que os políticos só aparecem no período que as antecede, como ursos que saem da hibernação numa caça ao voto. É de rejeitar, porquanto a difusão na comunicação social e nas redes sociais permite acompanhar diariamente a atividade política dos governantes e da oposição.

Ainda que assim fosse, o raciocínio aporta uma consequência contrária. Dizia Abraham Lincoln, que quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem, deem-lhe poder.

Winston Churchill, um enorme estadista de rara inteligência, na sua altivez elitista também foi capaz de dizer que o melhor argumento contra a democracia era uma conversa de cinco minutos com o eleitor médio. Mas a verdade é que, para ser eleito, tinha de saír ao encontro dos eleitores, por muito que custasse à sua majestade. Abdicar do voto é degradar o sistema político democrático que, ainda que com defeitos, é o menos imperfeito de todos.

Também não é exata a alegação que os partidos são todos iguais.

No quadro nacional existem dois partidos com possibilidades de governar. Mas um, à direita, inicia o seu programa pelo apoio às empresas, com proposta de redução faseada da taxa do IRC em 4%, programando a melhoria salarial em função do crescimento produtivo, cumprindo ao Estado regulador e fiscalizador criar as condições para uma saudável concorrencial, apoiando o crescimento do PIB através do aumento das exportações, realizando investimentos seletivos, como na saúde e na educação e reconhecendo a importância do setor social.

Outro mais à esquerda privilegia a diminuição da taxa do IRS e o aumento do PIB através do consumo interno, criando mais rendimento para os trabalhadores financiado com a dívida pública. O problema é que não é mais possível a economia do tipo Keynesiano que Olaf Palme praticava, quando a dívida pública baixa permitia crescer através dos estímulos estatais

A divergência alarga-se se qualquer dos partidos depender de outros mais à direita ou à esquerda para governar, consoante o caso, mas que oferecem uma panóplia de opções que faculta ao cidadão rever-se num programa que encaixe no seu modus vivendi. Uma Aliança eleitoral entre PSD, CDS, IL, PPM e Aliança, alavancada em dois ou três por cento de indecisos que geralmente tombam para o provável vencedor, teria possivelmente, por benefício do método de Hondt, assegurado uma maioria absoluta parlamentar à direita, proporcionando a desnecessidade de recorrer à extrema direita do Chega e, no caso do PS, às franjas mais estremas da esquerda, que não asseguram estabilidade, como se viu na rejeição do Orçamento para 2022.

No dia 30 de janeiro veremos qual a opção escolhida pelos portugueses, havendo todas as razões para apor o xis no quadrado do boletim de voto.


Autor: Carlos Vilas Boas
DM

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19 janeiro 2022