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A geringonça autárquica

Esta é uma viragem no tradicional panorama democrático em Portugal, mas tanto assim noutros países. Na verdade democrática quem governa é quem tem maioria, seja ela de um só partido ou formada por coligações. A tendência é cada vez mais para a dispersão e não para a concentração partidária. Acabaram-se, ou podem vir a acabar, as maiorias relativas. Este conceito das minorias coligadas é uma inversão ao arquétipo democrático que tínhamos por uso e costume.

Cada vez mais, vamos observando que este fenómeno se repete, sem qualquer desvio ou mesmo prejuízo democrático. A muito boa gente custa-lhe engolir a geringonça portuguesa por ser feita por partidos de esquerda, porque, quando a mesma geringonça é feita por partidos da direita, chamam-lhe coligação da direita. Uma coligação pela decomposição da palavra significa ligação com alguém. Mas a direita, em Portugal com o PSD/CDS era uma máquina com rodas e peças que encaixavam: era mais o que os aproximava do que os separava; a coligação com PS/PCP/BE é uma máquina com rodas que giram em sentido contrário umas das outras, quer na ideologia quer na práxis política, daí ser uma maquineta que dava a impressão que posta a andar seria uma geringonça.

Era assim que pensávamos, mas a realidade é que está aí para durar, mesmo com um motor (PS) que reboca rodas desiguais PCP e BE. Ora, pensam alguns: se isto pode andar na governação por que razão não há de andar nas câmaras e nas freguesias? Sim, porquê? E aqui nasce o temor dos que pretendem ser eleitos ou reeleitos para governar nas autarquias: podem ganhar e não governar. Mas há aqui uma questão que deve ser desde já levantada: as coligações devem ser conhecidas antes da eleição para que cada eleitor saiba em que coligação está a votar para mais tarde não ser surpreendido com uma coligação que não quer, nem nela votaria se soubesse que seria assim. Por exemplo: quem votou PS não votou BE nem PCP e, no entanto teve de gramar a coligação que hoje comanda.

É preciso clarificar, definir muito bem, em quem se vai votar, para que a eleição seja uma verdade às claras e não um biombo atrás do qual se esconde as combinações à posteriori. Uma coligação, que foi arranjada depois da eleição, não é uma coligação democrática; não passa dum arranjo de governo. Os elementos que a constituem foram eleitos democraticamente dentro de um contexto pré-estabelecido, isto é, foram eleitos para governar sozinhos, mas nunca foram eleitos para formar coligações.

As coligações serão sempre democráticas quando vão a eleições já coligados; serão sempre um artifício democrático quando se formam pós-eleições. A coligação pós-eleitoral não é uma mistificação, mas é um arranjo. Ir a eleições coligados é medida que favorece a democracia porque é honesta. A democracia portuguesa está em défice de credibilidade. Não a deixem chegar à bancarrota. Os populismos que grassam por toda a Europa e não só, assentam precisamente na desonestidade dos políticos e das políticas dos cambalachos, das espertezas saloias, dos arranjos de ocasião, das “estratégias”; isto é a ferrugem da democracia.

Na contagem dos votos não se sabe bem quanto vale cada partido coligado; em termos de percentagem eleitoral há que haver uma estimativa prévia na repartição dos ministérios e secretarias de Estado que a cada um caberá. Dizer o contrário é argumento de meia-verdade. A democracia só se privilegia quando for espelho da verdade por inteiro.


Autor: Paulo Fafe
DM

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27 março 2017