twitter

A geração dos filhos da creche…

O Conselho Nacional de Educação acaba de publicar um comunicado a chamar a atenção para o tempo exagerado que as crianças passam diariamente nas instituições. Mais 10H por semana do que noutros países europeus. Já aqui tínhamos chamado a atenção para isso: estamos a criar uma geração de filhos da creche, com pais distantes, sem afectos, com fraca vinculação afectiva familiar, com défice de valores, com sentimentos de abandono, com baixa autoestima, deprimidos, descompensados, frustrados, revoltados… retidos durante longas horas (cerca de 8H a 10H por dia) em instituições sociais ou particulares, entregue a estranhos, uns atenciosos e outros não… Depois, não se admirem que, mais tarde, surjam comportamentos desajustados e reivindicativos. Aliás, já se começam a manifestar nas escolas…Quando penso nisto, lembro-me sempre do que dizia o célebre pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott, um dos primeiros teóricos a reforçar a ideia do papel da mãe no funcionamento mental da criança: “a conduta antissocial é um grito de desespero para o sujeito que reivindica do social aquilo que lhe foi prometido”. E o que lhes foi prometido, pela natureza, foi a atenção, o amor e a presença da “mãe boa” a que tinham direito.

São cada vez mais frequentes os casos de falta de valores humanos, comportamentos agressivos e até mortes que relevam de descompensação afectiva. Basta ouvir os noticiários. Em todo o lado se grita contra os assassinatos de mulheres por motivos de crimes de ordem afectiva. Reclamam-se medidas mais drásticas. E com razão… Mas ninguém olha para factores que podem estar na génese desses comportamentos de personalidades descompensads e revoltadas. É por isso que eles vão continuar… Não estou a dizer que sou contra as creches. Elas são um mal necessário. Já conheci creches boas e creches más, com pessoas de qualidade e com pessoas que nunca lá deviam estar e que deixaram más sequelas e pesadelos nas crianças. Esta actividade delicada só devia ser exercida por profissionais com qualidade pessoal e tecnicamente qualificados e em condições adequadas de acção. Os pais, quando ao fim do dia os vão buscar, já cansados e, muitas vezes, sem o acolhimento e o carinho que eles precisam, também ajudam a agravar a situação e os sentimentos de abandono...

Em relação à ausência da mãe, quando a criança mais precisa dela, Donald Winnicott dizia que o seu papel é funcionar como construtora activa do espaço mental da criança e que o seu rosto é o primeiro espelho da criança. Ao dar-lhe amor, a mãe fornece-lhe uma espécie de energia vital, como dizia Bergson, que a faz progredir e amadurecer…Ora, as creches não podem desempenhar esse papel. O início dos problemas psicológicos da criança (que, depois, pela vida fora se vão encontrar nos adultos) situa-se sempre a partir do vínculo emocional com a mãe, sobretudo no 1º ano de vida. Não apenas com a presença física, mas sobretudo com o seu estado emocional... A mãe precisa de ter condições de vida que lhe facilite cuidar dos filhos com dedicação e ternura. E, para o fazer, não pode viver em contínuo stress e correria. Porque não se trata apenas de uma questão de atitude de acolhimento, mas de um estado psicossomático que a determina. Como bem assinala Oliver James, “desde praticamente o momento em que somos concebidos, o crescimento do nosso cérebro e os químicos nele presentes são afectados pelo estado físico e emocional das nossas mães”. Se, por exemplo, a mãe andar angustiada durante os três últimos meses de gravidez, o seu sistema hormonal segrega grandes quantidades de cortisol, a hormona da “fuga ou luta” em momentos adversos. Estes altos níveis de cortisol são passados ao feto através do cordão umbilical e deixam a criança numa situação de risco. Bebés como estes poderão nascer irritáveis, agitados…E a mãe, sem ter consciência disso, pode reagir contra essa irritabilidade como se a criança tivesse culpa disso e ser repreendida injustamente, quando afinal ela reage de acordo com o seu estado nervoso… O ambiente familiar pode tornar-se adverso contra a criança. E depois do ambiente familiar, a creche, a escola, os colegas... Isso pode fazer com que o seu filho venha a ter o dobro da probabilidade de vir a sofrer da síndroma de TDHA, de que hoje tanto se fala, distúrbios de agressividade, défice de atenção e de concentração, hiperactividade, dificuldades de aprendizagem e de adaptação…

Sabemos que diferentes aspectos da nossa personalidade poderão ser afectados pela falta de atenção e assistência materna nas etapas mais sensíveis do nosso desenvolvimento. O 1º ano define em mais profundidade a noção de quem somos, a força e a solidez da nossa identidade; entre os 6 meses e os 3 anos, a responsabilidade dos nossos pais e a continuidade da atenção e assistência que recebemos afectam a segurança emocional das nossas relações. Entre os 3 e os 6 anos, a forma como somos recompensados ou castigados e a forma como os pais nos transmitem os seus valores determinam os nossos níveis básicos de motivação e de consciência, expressos mais tarde no nosso comportamento e nas nossas carreiras. Ora, o tempo exagerado que bebés e crianças ficam retidos na creche ou na escola, sujeitos a pessoas que afectivamente lhes são alheias, faz com que se sintam abandonados pela mãe, desprotegidos, sem nada poderem fazer, tristes, stressados, o que induz um modo perturbado de funcionamento do seu sistema nervoso, que pode ir ficando moldado para a vida. Estamos a hipotecar a saúde dos nossos filhos ao afastar as crianças por tanto tempo do lar materno… As mães precisam de ter horários de trabalho que as não obriguem a depositar por tanto tempo os filhos nas creches ou infantários. Porque nada se substitui ao lar e ao afecto que as faz crescer e ter confiança em si mesmos.

<Destaque>

As mães precisam de ter horários de trabalho que as não obriguem a depositar por tanto tempo os filhos nas creches ou infantários. Porque nada se substitui ao lar e ao afecto que as faz crescer e ter confiança em si mesmos.


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

DM

1 dezembro 2019