Conheci-a muito bem: jovem, alegre e prazenteira. A vida foi-lhe sempre adversa desde que encontrou o homem de toda a sua vida: ele bebia e quando bebia batia-lhe.
Quando estava sem a pinga a Geba era feliz porque ele era carinhoso e prometia que se emendava dali para a frente; e as juras eram tantas como as recaídas.
Mas disseram-lhe que o casamento e a mortalha no céu se talha e que assim tinha de o aturar, era o seu dever, o seu calvário nesta vida que seria um dia recompensado no céu.
Ela continuou a ser mais geba depois dos cinquenta. Começou a diminuir, a minguar, a mirrar e as costas encurvaram-se cada vez mais; disseram-lhe os médicos que era por causa duma osteoporose acentuada.
Caminhar, ó sr. Doutor, esta geba, apontou para a corcunda, caminhou sempre toda a vida e continua a caminhar; ando de um para outro lado a juntar migalhas de ganhos para fazer face à vida.
A Geba tivera quatro filhos; três raparigas seguidas e depois um rapaz, o Manuel, já quando a sua idade parecia ter secado a madre. Mas não, ele viera e foi uma festa. As moças foram casando, cada qual com um da sua igualha , a não ser uma, a do meio, que se juntara sem casamento.
O rapaz, o Manel, foi o menino das irmãs, o miminho desta Geba quase avó e o orgulho do pai bêbado que deixara de beber durante um ano para cumprir uma promessa que fizera que dizia ser para toda a vida. Durante o ano de abstinência a Geba gozou a sua primeira lua-de-mel.
O marido voltou ao vício e a Geba dizia: só é mau quando está bêbado,; e as vizinhas viam as nódoas negras das pancadas. O marido morreu, ou melhor, dizia quem viu, afogou-se no vómito, na taberna do Alcides. E a Geba chorou por ele: sempre era o meu homem, era o pai dos meus filhos. Esta morte matou o martírio?
A Geba sempre de preto lá ia carreiro acima, carreiro abaixo ou mais além, levar a roupa que aprontara na levada. O rapaz, o Manuel, seguiu as pegadas do pai: taberna, jogatina, borgas e nenhum trabalho.
Quando chegava a casa bêbado, outro pai, ameaçava bater na velha mãe; um dia deu-lhe dois encontrões, atirando a Geba de encontro à maceira da cozinha, provocando-lhe um desmaio.
A bebedeira, perante a morte aparente da mãe, incendiou no Manuel alguma lucidez e, brilhando como uma centelha, ou vindo lá do fundo do ser algum lampejo de amor e respeito filial, o Manuel começou a gritar, acudam, acudam.
E os vizinhos acudiram, telefonaram para o hospital, veio a ambulância e a Geba foi. E o Manuel vomitou na ambulância e eles telefonaram. Foi preso por violência doméstica; a Geba esteve no hospital oito dias, os primeiros dos quais entre a vida e a morte.
Quando lhe deram alta foi declarar que o filho não lhe fizera mal, que tinha sido ela que havia escorregado na soleira da porta; foi ele quem, ao berrar, acudam, acudam, me salvou a vida… soltem-no, por amor de Deus. Não havia ofensa não havia culpado.
E soltaram o Manuel e a Geba disse: é meu filho. Ai Geba, Geba não aprendes que perdão fácil, faz crime fácil?! Mas é meu filho, senhor! Ó filhos, vós não pagais/ Nem que de rastos vos visse/ Um beijo de vossas mães.(Olavo Bilac).
OBS do autor: E assim cabe numa folha, um romance de 500 páginas
Autor: Paulo Fafe