twitter

A Gala dos “Césares”

Quando reflectia sobre o problema dos cruzamentos familiares no actual governo, ocorreu-me esta ideia: porque não organizar, sob o alto patrocínio do Senhor Presidente da República (PR), uma grande gala destinada a homenagear o partido e os políticos que mais se notabilizem em colocar familiares próximos e amigos dilectos nos mais importantes cargos da governação do Estado, das regiões autónomas e da administração pública em geral ou em garantir-lhes lugares de eleição nas listas para o parlamento nacional ou para os parlamentos regionais?

Tratar-se-ia, seguramente, de uma iniciativa inédita e deveras original que, pelo menos, teria a virtualidade de romper com os cânones do politicamente correcto: onde as democracias mais avançadas impedem e sancionam práticas de nepotismo, favoritismo e amiguismo, por cá promover-se-iam e premiar-se-iam procedimentos desse tipo, com o seriíssimo argumento de que assim melhor se garantiriam a lealdade e a confiança pessoal e política dos nomeados ou eleitos.

A bondade da iniciativa pode buscar-se no inteligente comentário de Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito da última remodelação governamental, no qual, referindo-se à solução já testada pelo actual governo – cuja posse, aliás, fez questão de sublinhar ter sido dada pelo anterior PR – salientou que, “apesar dos laços familiares entre si”, a nomeação dos membros do executivo com tais ligações acontece “por mérito próprio”.

A teoria parece ser esta: o facto de haver dois ministros que são marido e mulher (Eduardo Cabrita e Ana Paula Vitorino) e outros dois ministros que, desde a mais recente remodelação, são pai e filha (José António Vieira da Silva e Mariana Vieira da Silva), não tem nada de censurável, pois que a escolha foi “baseada no reconhecimento da qualidade das pessoas”.

Pode pois inferir-se que para o PR, que aceitou a escolha do primeiro-ministro, a questão não é de transparência democrática nem de ética política. E nem sequer se deve configurar como uma situação excepcional. O ponto fundamental e único deve ser a competência dos escolhidos, pouco importando para o caso o problema da independência do cargo. Isto apesar de ser natural que, nas decisões do Conselho de Ministros, pai e filha e marido e mulher tendam a não pôr-se em causa mutuamente, sobretudo quando estejam em apreciação diplomas ou resoluções propostos por cada um deles, e a, mesmo insensivelmente, serem influenciados por interesses íntimos e secundários.

Tampouco importa saber se, no universo dos cidadãos mais sábios ou especializados em cada uma das áreas tuteladas, outros existem que àqueles familiares sejam superiores ou até de idêntico valor. A ética que uma república reclama dos seus governos deve ceder à realidade das ligações políticas da família e dos amigos que são apresentados como benéficos para a governação.

Neste sentido, erigida esta endogamia como valor político a galardoar, falta tratar da forma, denominação e data do prémio da gala anual do nepotismo. Ora, sobre tal matéria, atrevo-me a sugerir que ao prémio se dê o nome de “César” e que à estatueta se dê a figura correspondente. Não em homenagem ao grande Júlio César, imperador romano e pensador político a quem ficou a dever-se o sábio provérbio “À mulher de César não basta se honesta, deve parecer honesta”.

Mas para assinalar o pensamento filosófico de um outro César, Carlos de nome próprio, actual líder parlamentar socialista que, diferentemente daquele imperador, está a marimbar-se para o valor das aparências em política.

Na verdade, ele próprio, ao tempo em que foi presidente do Governo Regional dos Açores, nomeou a mulher coordenadora dos Palácios da Presidência e, já depois da aposentação dela, sendo já outro o presidente do executivo regional, não se opôs à nomeação da mesma, sem concurso público, para o cargo de coordenadora da estrutura de missão para a criação da “Casa da Autonomia”.

E as influências não se ficaram por aqui, pois mais quatro “césares” emergiram na política regional ou até nacional: o filho, eleito deputado regional nas listas do PS; a nora, nomeada chefe de gabinete da secretária regional adjunta; a sobrinha Inês, contratada pela Gebalis, empresa municipal lisboeta que gere os bairros sociais do município; e o irmão Horácio, que foi assessor parlamentar adjunto no gabinete de João Soares, quando este foi secretário de Estado da Cultura no início do governo de António Costa.

É, pois, esta figura rara na política portuguesa que proponho para dar forma e nome à estatueta em apreço.

Falta apenas um pormenor não despiciendo – a data da gala. Sugiro, para tal, a terça-feira de carnaval, consolidada que está a prática governamental de nesse dia dar tolerância de ponto à função pública. Com a vantagem de, na cerimónia, as máscaras ou disfarces serem dispensáveis, já que, afinal, para os laureados e para quem os nomeia, as aparências não contam…


Autor: António Brochado Pedras
DM

DM

8 março 2019