O ambiente social em que temos estado a viver neste verão coloca-nos exatamente esta questão que é muito mais do que um trocadilho: perante um problema social – de segurança ou de boa convivência – não estaremos a ser induzidos a aceitar a força do poder, simbolizado em medidas de natureza excecional elevadas à categoria de normalidade ou, pelo contrário, o poder não tem estado a usar de mecanismos de força para se fazer afirmar, respeitar e governar…mesmo que isso implique serem cometidas tropelias para com direitos (pretensamente, noutros casos) constitucionais?
O silêncio de certas forças, que (ainda) se dizem defensoras dos trabalhadores, do povo e da classe operária é atroz: há um ruído de fundo que não deixa escutar quem nada diz e tão pouco nos permite perceber se a experiência de terem estado nas franjas do poder lhes calcinou os protestos… Numa linguagem um tanto saloia como que diria: bastará acenar com uns tantos tachos na governação que os protestos se calam, mais por conveniência do que por convicção. Assim, quando saírem a reivindicar já saberemos que é mais por vontade de protagonismo do que por quererem mudar – para bem do que pelo bem – seja o que for… Há chavões ideológicos que foram metidos na gaveta do sindicalismo em exercício.
= Nesta balbúrdia de interesses, em conluio misturado à la carte, há questões que emergem, numa tentativa de entender o cenário, de compreender os atores e de decifrar a mensagem.
Em tempo já de campanha para as próximas eleições legislativas, este conflito socio-sindical tem aparecido como uma razoável oportunidade de fazer sobressair o partido que governa, havendo quem protagonize que pode ser uma rampa de lançamento para uma vitória maioritária, que até agora não se refletia nas recentes sondagens. Por outro lado, a posição displicente do resto dos partidos – tanto os da geringonça como os da putativa oposição – meteram férias, deixando campo aberto a que, quem manda, se torne ‘rei e senhor’ de tudo e do resto. Estamos perante um gritante abuso de poder, sem olhar a meios para atingir os fins… sejam lá quais forem os pretendidos!
De facto, as pretensões dos agora grevistas surgiram de forma nebulosa, pois não se entendeu logo se queriam parar o país ou se desejavam que olhássemos para eles como trabalhadores mal pagos, embora sem conhecermos, verdadeiramente, as contas pelas quais se regem, ganham e são remunerados. Por seu turno, os empregadores – pulverizados numa associação que envolve múltiplas funções e diversas marcas de corporativismo – sentem que não devem entregar, de forma tão simples e rápida, a garantia de aumentos para vários anos de exploração laboral. Eles sabem que nesse intervalo poderá surgir uma nova crise económica – daqui a dois anos (2021) – e os aumentos pretendidos serão inexequíveis…
= Se atendermos aos sinais que nos foram dados por estes dias como que podemos começar a conjeturar: se o governo ainda não tem maioria e já se comporta desta forma minimamente despótica, o que será se atingir a maioria absoluta: irá tratar os contestatários – sindicalistas ou outros – do modo mais cilindrado que lhes for possível; reduzirá à utopia a ‘consagrada’ lei da greve; será implacável para com quem se lhe oponha, usando requisições civis ou serviços mínimos com fartura…
Efetivamente a máquina de propaganda – na sua maioria servida por uma razoável comunicação social seguidista – está a trabalhar com todo o empenho para que sejamos reduzidos à portugalândia mais etérea, pois não ser, mesmo que camufladamente, por quem governa soará quase a traição aos ideais sempre anunciados, mas ainda não atingidos…
Resta-nos esperar que por cá aconteça o mesmo fenómeno que percorreu o resto da Europa (e não só) da falência das teias de índole socialista/trotskista/comunista… Desde 1989 foram caindo como peças dum espetáculo mais ou menos insonso… nos mais diversos países onde mandaram e foram peias no poder. Por cá – como sempre atrasados duas décadas – ainda vigoram com teorias sociais, projetos económicos e tentativas financeiras. De verdade a força do poder quase sempre se esboroa quando se pretende impor como poder pela força. Oxalá o povo tenha memória no espaço mais curto possíve
Autor: António Sílvio Couto