O ano de 1994 foi proclamado, pelas Nações Unidas, o Ano Internacional da Família. O seu tema foi: "Família, Capacidades e Responsabilidades num Mundo em transformação" e consagrou o dia 15 de Maio como o Dia Internacional da Família, declarando a família como "a pequena democracia no coração da sociedade".
Em 2019 fez 25 anos sobre este acontecimento.
Desde que me conheço e tenho consciência de mim mesma que vou lendo e ouvindo os vários tons, as várias escalas do discurso laudatório sobre a família.
Não vejo o interesse em repetir e repisar o que a família «deveria ser», o que família «já foi», o que a família «já era», como se o tanto automático enaltecer da família, sem debate, provocasse um miraculoso bem-estar familiar, apagando-se o que, na família, hoje em dia, sentimos e verificamos de errado.
A família pode ser, quer nos agrade quer não, uma área de violência, de confronto, de incomunicabilidade, de tensão, de experiência negativa, quer para o desenvolvimento da criança e do adolescente, quer para os adultos, que encobertos pelas espessas paredes da casa, aí perpetuam comportamentos que vão do desleixo à prepotência, mantidos no segredo de entre portas e na maior impunidade.
Situações de incesto, terror psicológico, carência afetiva, maus-tratos físicos, degradação do papel das mães de família desvalorizadas, são muitas pontas de um complexo icebergue que importa ser discutido e não silenciado. Cada vez que ouço ou leio o discurso ingénuo da família, tenho a sensação de assistir a um teatro antigo onde se encobre uma realidade crua e nua indecentemente maquilhada.
Não é com brilhantes adereços falsos que conseguiremos enfeitar a família do nosso descontentamento. A falta de educação cívica e de cultura, a falta de condições mínimas de habitação, de emprego seguro, a falta da capacidade de antecipação para proporcionar um projeto da vida ao núcleo familiar, a falta de credibilidade do futuro, são alguns dos cenários que envolvem a violência cuja sinistra sede pode ser a família. Daí a transbordar do seu interior, para as ruas da cidade, vai um pequeno passo.
O dia internacional da família não pode ter-se resumido à publicidade dos seus benefícios. Tem de passar também pelo rasgar do véu da nossa suposta inocência coletiva.
Autor: Beatriz Lamas Oliveira