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A exaltação da Cruz na poesia de Frei Agostinho

Passados quatro séculos sobre a morte de Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), o seu legado continua intemporal. À espera de uma leitura permanece uma obra poética que reflete uma profunda inquietação existencial, oferecendo como temática dominante a exaltação da Cruz, expressão sublime do amor redentor de Deus e porto de abrigo.

Agostinho Pimenta nasceu no Dia da Santa Cruz (3 de maio) e, no dia em que completou 20 anos, iniciou o noviciado em Santa Cruz de Sintra. Um ano depois, tomou o hábito dos Capuchos Arrábidos, com o nome de Frei Agostinho da Cruz, “pelo dia, e pela devoção, e afecto àquele sinal precioso de nossa Redenção” (José de Mesquita).

Amadurecido na segunda metade do séc. XVI, viveu um tempo de crise, marcado pela insegurança existencial, pela consciência da efemeridade e do desconcerto, por uma conceção pessimista do homem, visto “como um ser miserável e radicalmente corrupto, apenas redimível através de um acto da graça de Deus” (Aguiar e Silva). Neste itinerário, o coração atormentado abre-se à procura e à conversão a Deus, companheiro no sofrimento e vitorioso sobre ele, em Seu filho, “Redemptor” do mal.

Estas duas quadras do soneto “Da vida humana” são bem expressivas desta mundividência: “De que serve, que presta, que aproveita, / Tudo quanto se acaba em tempo breve, / Qual cera ao fogo, ou qual ao sol a neve, / Que não pode deixar de ser desfeita? // Tal o que só no mundo se deleita, / Querendo do pesado fazer leve, / Sem temer o castigo, que se deve / A quem p’lo temporal eterno enjeita.” (…)

Neste ambiente estético e espiritual maneirista, Agostinho viveu intensamente o conflito e a contradição e, para se libertar do labirinto da condição humana, apenas vislumbrou um caminho – Cristo crucificado é o seu redentor, o lugar onde repousa e se aquieta é o Seu lado aberto. E é na Cruz que pendura a esperança da saída da sua encruzilhada existencial.

Este é um tema recorrente na sua poesia, bem ilustrado no soneto “À Cruz”: “Em ti, suave Cruz, inda que dura / Por ver sangue inocente derramado, / Pregado pés e mãos, aberto o lado, / Donde minha esperança se pendura. // Em ti de piedade e de brandura / Doce penhor do penitente errado, / Em ti Cristo Jesus dependurado / A salvação do mundo dependura. // Em ti se consumou toda a crueza, / Que em corações humanos se acendia / Contra todas as leis da natureza. // Mas em ti se tornou, em alegria / Da nossa redenção, toda a tristeza; / Oh Cruz, defensão nossa, nossa guia.”

Olhos postos no amor infinito de Cristo crucificado, é com Ele que deseja identificar-se. E, na impossibilidade de se crucificar com Ele, “Pois o morrer por Vós é mais viver”, é no Seu lado aberto que Agostinho deseja encontrar o abrigo para a sua inquietação: “(…) Mas como, onde posso defender-me, / Enquanto for de mim acompanhado, / Com tanta experiência de perder-me, // Senão sendo metido em Vosso lado / Para todo de mim mesmo esquecer-me, / E só de Vós, meu Deus, ser alembrado?” (soneto “A Nosso Senhor”).

Contemplando Cristo na Cruz ou os instrumentos da Paixão, o que mais o impressiona não é a crueldade ou o sofrimento, mas o facto de “serem manifestação e prova do amor de Deus pelos homens, mistério de redenção, e, por isso, os seus poemas ora se tornam um acto de júbilo, ora um acto de contrição, ou ambos, ao mesmo tempo” (Daniel Faria).

Trata-se de uma poesia profundamente cristocêntrica, com o tema da contemplação da Humanidade e da Paixão de Jesus e o desejo de se crucificar com Ele a dominarem a sua obra, como se observa neste excerto de uma elegia: “(…) De que me serve a mim, ou que me presta, / Tudo quanto ter posso em toda a vida, / Senão para pagar a Quem ma empresta? // Qual branda cera ao fogo derretida, / No fogo do meu Deus minha alma seja, / Quer sarada por Ele, quer ferida. // Onde quer que estiver com Ele esteja, / Esteja com seu Deus, sua cativa, / Sem Ele só um momento se não veja, / Com Ele morra, só com Ele viva.”

A imitação de Cristo crucificado e, nessa imitação, o dever de ser “professor”da Cruz passam, por isso mesmo, a constituir a sua missão de poeta. Ao mudar de vida, Agostinho não só muda de nome, mas também queima “(como vergonha me pedia)” os versos que cantara na “mocidade cega” e chora “por haver tão mal cantado”, acrescentando que não lhe importa que os novos versos “sejam bem, ou mal” aceites, “(…) Pois não os escrevi para louvores / Humanos, pelo menos perigosos, // Senão para plantar em tenros peitos / Desejos de colher divinas flores / À força de suspiros saudosos.”

A poesia de Frei Agostinho é, de facto, o canto límpido de uma conversão, a narração pura de uma aprendizagem, a convicção genuína de um testemunho, o exemplo vivo que ensina. A sua poesia é um hino de louvor à Cruz da redenção, que merece uma leitura meditada…


Autor: Luís Arezes
DM

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19 abril 2019