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A eutanásia e a subjetividade

A eutanásia ou a morte assistida é a conversa de momento. Cada cabeça cada sentença, o que vem provar que é um assunto tão pessoal que todos têm sobre ela uma opinião. Daí a divergência do julgamento. Penso que estão a complicar aquilo que me parece simples. A questão passa pela moral enquanto é do domínio de usos e costumes sociais; pela ética enquanto é julgamento pessoal e pelo direito quanto às leis reguladoras vigentes, das relações sociais. Os católicos não abreviarão a sua vida terrena porque estão convencidos de que (I) a vida foi dada por Deus e só a Ele pertence prolongá-la ou acabá-la; (II) o sofrimento é ainda um desígnio do Criador e, por isso, só Ele determinará o grau da dor e a sua duração; (III) entendem ainda, e assim o assumem, que o seu corpo físico, onde habita temporariamente a alma em peregrinação para Deus, não é seu e, por isso, não pode dele dispor em livre arbítrio. Se assim estão convencidos, e sentem isto como verdade transcendental, a eutanásia é contrária ao seu catolicismo e, portanto, rejeitam-na. Por isso podem vir as leis, podem vir os novos conceitos de vida ou mesmo o resultado duma consulta popular, porque o católico, se o é de facto, faz da sua consciência uma ética e da sua conduta a religião. E aqui não há outra lei que não seja a das suas convicções. E ninguém vence uma coisa destas. Para os que entendem que o corpo lhes pertence, que podem dele fazer o que entender, que não crêem na criação, (I) então qualquer conceito de vida resume-se a um direito legal da existência; (II) julgam ter o direito de dispor da sua vida e, (III) querem acabar com ela, por desistência de viver, quando assim o entenderem. Penalizá-los seria impor-lhes a nossa moral e a nossa ética e isso não passará de um abuso. À luz do que penso, e aqui fica escrito, julgo que é um atrevimento inaudito estar a mexer com a individualidade, seja qual for o ângulo pela qual a encaremos. Quem deve determinar como deve viver e morrer, senão o indivíduo? Não são as leis e seus articulados, os usos e seus costumes, ou as doutrinas e seus preceitos, que devem meter bedelho. A determinação da morte é um ato tão íntimo e tão pessoal que devassá-lo é violar uma imaterialidade. A vida não é um conjunto de matéria-prima que pode ser manufaturada, nem pela moral, nem pela ética, nem pelo direito: são tantos risos, tantas lágrimas, tantos sucessos e tantos insucessos, tantos sonhos e contentamentos, desesperos e agruras, corpo e alma – que teia de tantos bocados –! que a ideia simplista de determinar o seu fim, assusta-me pela ligeireza como se tratam as coisas tão complexas. Morte assistida ou eutanásia, suicídio, vida artificial assistida, são, e devem continuar a ser, um assunto íntimo e não objeto de discussão política ou social. Deixemos que cada um se coloque perante a morte como entende que deve morrer. Os católicos com as suas convicções, os outros com os seus princípios naturalistas, devem gozar dos mesmos direitos. Se uns esperam pela morte de Deus, outros não querem o sofrimento sem remédio. Não vejo nisto uma questão referendária pelo caráter subjetivo que dele dimana. Referendar é dar a alguém, ou a alguns, o direito de determinar a morte. O referendo, diga-se, não obriga ninguém a fazer eutanásia, não é lugar de forca, nem o médico é lugar de carrasco. Mesmo assim, não voto neste tipo de referendos, primeiro por me parecer ser desnecessário e segundo porque não quero ser um profanador de subjetividades.


Autor: Paulo Fafe
DM

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24 fevereiro 2020