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A «ditadura» do «eu» e do «agora»

  1. O homem não tem asas no corpo porque Deus preferiu colocar-lhe asas no espírito. Era assim que, com algum sabor dualista, São Macário Egípcio tipificava a singularidade humana no concerto da criação.

  2. O certo é que as asas do homem levam-no para mais longe que todas as outras asas. As asas do homem ultrapassam os céus e só repousam em Deus.

  3. É por isso que, como notava Maurice Blondel, nós não encontramos Deus onde permanecemos. Só encontramos Deus quando saímos, quando voamos, quando nos damos.

  4. É verdade que cada um de nós habita no «eu» e no «agora». Mas pouco cresce quem fica sentado no seu «eu» e acomodado ao seu «agora». Não será, porém, o que muitas vezes acontece?

  5. Vivemos sufocados pelo «eu» e com uma dificuldade tremenda em olhar para lá dos sucessivos «agoras». Não haverá ninguém mais que «eu»? Não haverá nada mais que «agora»?

  6. Cuidado com a «ditadura» do «eu» e do «agora». Nos tempos que correm, dá a impressão de que só o «eu» decide e apenas o «agora» conta. Regra geral, o raciocínio é balizado em torno deste (duplo) critério: «”Eu” quero assim» e «”Agora” as coisas são assim». Afinal, onde está a abertura? Afinal, onde está a diferença?

  7. O que os outros fazem não é obrigatoriamente para reproduzir; o que outrora se fez não é necessariamente para imitar.Mas com os outros aprendemos sempre, até a divergir. E com outrora nunca se desaprende, mesmo que não se concorde.

  8. Até para dissentir, é preciso conhecer. Quem se encerra no seu mundo – e se fecha no seu tempo – corre sérios riscos de repetir o que, porventura, gostaria de inovar. Hoje em dia, temos muitos recursos. Só que tais recursos estão muitos voltados para a fruição individual e demasiado marcados pelo desgaste momentâneo.

  9. Alarguemos horizontes. Evitemos conjugar unicamente o verbo «impor». Habituemo-nos a conjugar mais o verbo «abrir» e também o verbo «acolher». Urge compreender que a vida não começa em mim nem termina agora.

  10. Já cansa a fereza devoradora de tanto «eu», tanto «eu», tanto «eu». E já satura esta incapacidade de enxergar para lá de cada instante. Um dia, veremos que aquilo que nos chega dos outros também é válido. E que aquilo que vem de longe é, talvez, o que mais contribui para a nossa felicidade!


Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
DM

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5 março 2019