1. Desde o início, a nossa vocação é sair. A primeira saída é a do ventre materno. A última saída é para a eternidade.
Entre estas duas saídas, a nossa vida decorre numa constante saída e, nessa medida, em contínuo nascimento.
2. É por isso que viver mais do que «aprender a morrer» – como defendia Montaigne – é reaprender a nascer.
E por aqui se vê que é na morte que — verdadeiramente — acabamos de nascer.
3. Não espanta, por conseguinte, que a tradição cristã descreva o último dia como «dies natalis», isto é, como dia de nascimento.
Trata-se do novo – e definitivo – nascimento. Daí que a maioria dos santos seja celebrada no dia da sua morte. Ou seja, no dia em que se assinala o seu perene nascimento.
4. Às celebrações que precedem o enterramento do corpo chamamos «exéquias». Humanos como somos, costumamos verter todo o nosso pesar por aqueles que partem.
Até Jesus chorou quando foi informado da partida do «Seu amigo» Lázaro (cf. Jo 11, 35-36).
5. Acontece que a raiz etimológica de «exéquias» aponta para «seguir». Segundo os peritos, «exéquia» deriva de «ex»+«sequi», isto é, «seguir para fora».
Reparando bem, isto vale não apenas para o último momento, já que estamos sempre a ser chamados a «seguir para fora».
6. Estamos sempre a ser chamados a «seguir para fora» de nós, para fora do nosso «eu».
Ninguém como Jesus faz tal apelo de forma tão insistente: «Segue-Me» (cf. Mt 8,22; 9,9; 19,21: Mc 2,14; 10,21; Lc 9,59; 18,22; Jo 1,43; 21,19).
7. São muitos os que percebem que, só seguindo Jesus, a existência ganha sentido e felicidade.
Assim como Jesus segue a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34), é nossa missão seguir sempre a vontade de Jesus.
8. É esta a dimensão «exequial» da existência cristã: «seguir para fora», seguir Jesus.
Ele deixa-nos o legado de uma vida inteiramente doada. Só nos realizamos quando seguimos Jesus com os nossos irmãos.
9. Por tal motivo, não se pode ser cristão sozinho, ensimesmado.
A própria componente pessoal da opção livre de cada um envolve a abertura aos outros que também se dispõem a seguir Jesus.
10. E é deste modo que estamos sempre a nascer. Do princípio até ao fim, estamos continuamente a «seguir para fora de nós», ao encontro de Jesus.
Não tenhamos medo da dimensão «exequial» da nossa fé. Seguir Jesus liberta-nos da prisão que mais nos pode triturar: o nosso «eu».
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
A dimensão «exequial» da existência cristã
DM
17 março 2020