Adignidade da pessoa humana é princípio e pilar da nossa Constituição transversal ao Estado e à Sociedade. O direito à Saúde e a correspondente obrigação do Estado nesta matéria, num dos eixos essenciais do Estado Social, encerra em si um campo onde a dignidade da pessoa humana tem de florescer. Num mundo moderno aquela deve ser a nova dimensão e óptica do que deve prevalecer neste quadro social.
O cumprir das funções sociais do Estado deve concretizar-se no imperar da dignidade. E a dignidade não se completa, apenas, no acesso rápido, competente e válido a um Hospital, a um Serviço de Saúde, a um Médico ou um Enfermeiro e os cuidados que aqueles e estes têm de prestar. Está na humanização do sector, do cuidar do físico mas também do conforto emocional. Traduz-se muitas vezes em pequenos gestos, quantas vezes numa palavra amiga, em qualquer serviço de urgências atolado, a quem se encontra, naturalmente, mais vulnerável física e psicologicamente, muitas vezes no vazio da solidão no meio de tanta gente.
Consubstancia-se numa breve explicação quanto aos atrasos, no não tratar com indiferença uns e ao lado, simultaneamente, ceder-se uns quantos salamaleques a outro porque conhecido, amigo ou doutor. A procura da não omissão de uma resposta, de uma ajuda ou, singelamente, seguir o que ensinava o Ilustre Médico e Professor Dr. Sousa Martins: “Quando entrardes de noite num hospital e ouvirdes algum doente gemer, aproximai-vos do seu leito, vede o que precisa o pobre enfermo e, se não tiverdes mais nada para lhe dar, dai-lhe um sorriso.”
A dignidade humana não se proclama, deve ser praticada no tanto em que ela ainda vai escasseando. Já o dizia Padre António Vieira: “Palavras sem actos são como balas sem pólvora, atroam mas não ferem.”
Esta nova visão social, actual, humana, deve começar na formação de pais para filhos, de professores para alunos, dos formadores para os formandos e aqui, em especial neste sector essencial, no ultrapassar do conceito que se vai solidificando de um ensino virado para alunos como repositório de matéria memorizada e não de saber, no alcance de diplomas de aviário – perdoe-se-nos a expressão – e não de diplomas construídos em bases de valores, crítica, pensamento, solidariedade.
O Estado Social tem de procurar, não só a competência funcional, mas a relacional dos seus prestadores de serviços e que ganham uma diferenciada acuidade na área da saúde, os quais têm de proteger a especial vulnerabilidade dos cidadãos que a estes recorrem.
Porque têm uma maior incidência nos mais velhos, nos mais solitários, nos mais necessitados que, alguns, não podem ter junto a si um amigo, um companheiro, um familiar e mais se perdem no caminho das burocracias, dos incompetentes, dos disfuncionais, da incompreensão e no seio de um sofrimento geral que, por multiplicado, se transmuta em abstracto. Apesar da evolução fantástica da tecnologia, a evolução no que é humano não acompanhou aquela, pelo contrário parece desvanecer-se.
A impessoalidade, a frieza dos gestos, a indiferenciação e abstracção no cuidado também fere a dignidade. Para isso basta-nos as máquinas! Há que voltar à saúde solidária, atenta aos mais indefesos, aos mais sós. Tem aqui um crucial relevo, para além da base formativa dos prestadores de serviços, dos seus executantes, o voluntariado que deveria merecer incentivos e fomento especiais para acompanhamento junto dos serviços de quem possa ser sinalizado, desde logo pelos poderes mais próximos do cidadão, particularmente as juntas de freguesia que aqui podem desempenhar pertinente papel.
Uma sociedade evoluída, democrática e justa é avaliada, não só pelos resultados financeiros, disponibilidade de meios, mas essencialmente pelo seu maior ou menor grau de protecção e relação com o cidadão. Dar saúde, mas igualmente bem-estar a que podemos designar de produtividade social e solidária, que é o valor acrescentado que o novo Estado Social deste século deve prosseguir e conquistar.
Autor: António Lima Martins
A dignidade como centro do estado social na saúde
DM
16 agosto 2019