VII – A selecção
Entramos aqui num dos processos mais difíceis (e mesmo dolorosos) da resolução do magno problema da crise docente: a selecção dos professores.
Não é negligenciável (é mesmo condenável) admitir na carreira docente quem para ela não tem, além da preparação técnico-científica, uma clara vocação docente, de que já aqui largamente falámos em crónicas anteriores.
O primeiro aspecto – o técnico-científico – é de fácil verificação: basta um, ou mais, diplomas credíveis que o atestem.
O mesmo não acontece no segundo aspecto – o da vocação. Aqui não basta que o candidato a professor diga que a tem, que gostaria muito de ser professor, que tem «muito jeito», etc., etc. Aqui é preciso algo mais e imprescindível : um perfil de personalidade adequado e um conjunto de aptidões naturais igualmente adequadas. E nada disto pode ser atestado com diplomas nem com declarações de boa vontade.
Por isso nós entendemos que, entre o final da preparação teórica – científica e pedagógico- didáctica – e a entrada no estágio pedagógico, deveria haver um rigoroso e cientificamente muito sério exame psico-técnico.
Fala-se aqui de Psicologia Científica – positiva, experimental e métrica, como ensinava, em Coimbra, o velho mestre Prof. Sílvio Lima – e não de um blá-blá de psicologias mais ou menos domésticas que para aí andam muito divulgadas em revistas cor-de-rosa e mesmo em programas televisivos que enganam o público e desprestigiam a Psicologia.
A Psicologia é uma ciência absolutamente preparada e equipada para estabelecer (primeiro) e avaliar (depois) o que aqui se preconiza: o traçado do perfil de personalidade e o conjunto de aptidões exigíveis para o bom desempenho da função docente. Este é um estudo que não está feito mas que as nossas Faculdades de Psicologia são perfeitamente capazes de fazer e que é urgente fazer-se.
Tal exame psico-técnico deveria ser absolutamente eliminatório, isto é, de aprovação imprescindível para entrar no estágio pedagógico (poderia haver direito a recurso, a segundas provas etc. – mas isso já são pormenores em que não vamos entrar). Porque não deveria entrar nesse estágio quem não tivesse comprovadas aptidões docentes. Daí, falarmos, no princípio, em processo difícil e mesmo doloroso.
O estágio teria assim uma dupla função: para além do imprescindível treino de aplicação, na prática, no exercício, dos conhecimentos teóricos científico-pedagógicos, serviria ainda de confirmação ou infirmação dos resultados do exame psico-técnico.
Tudo isto - e o mais que, sobre o mesmo assunto, defendamos em crónicas anteriores – é complexo, difícil, moroso e gerador de anti-corpos. Tudo isto faz da carreira docente uma carreira de trabalho, esforço constante, sacrifício. E, com tudo o que aqui se preconizou, uma carreira para que raros estarão bem preparados.
Ora, como tudo o que é raro, tudo de que há pouca oferta, tudo isso é caro. Por isso a primeira condição das primeiras condições para atrair para a carreira docente bons profissionais – é pagar-lhes bem (e pagar-lhes bem não é dar-lhes mais 15 ou 20 por cento). A segunda é garantir-lhes uma carreira e estabilidade nessa mesma carreira. A terceira é prestigiar socialmente a profissão por atitudes e comportamentos e não por palavras ocas e hipócritas.
Depois, vêm as segundas condições, as muitas e menores. Mas dessas não vamos aqui cuidar.
A terminar, o que importa é que, sem a satisfação plena das primeiras condições, a carreira docente continuará a desertificar-se e a deteriorar-se. Porque a ela só concorrerão os incapazes de conseguir outro emprego.
Nota: por decisão do autor, o presente texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.
Autor: M. Moura Pacheco
A crise docente

DM
27 julho 2022