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A crise docente

O país está a ficar sem professores. A classe docente está envelhecida e, à medida que se vai reformando, não é substituída por gente nova. Já quase ninguém quer enveredar por esta carreira. Apesar de a procura discente diminuir, a oferta docente cada vez menos satisfaz a procura. As causas são múltiplas e variadas e inter-potenciadoras entre si.

I – Os salários. Quando eu andava no Liceu, nos anos 50 do século passado, os professores do Ensino Secundário auferiam bons vencimentos. Já não sei quantificar exactamente, mas recordo que eram geralmente (e, por vezes, ciumentamente) considerados funcionários privilegiados do ponto de vista material. Nesse tempo, chegar a professor efectivo não era fácil. Primeiro era preciso uma licenciatura de cinco anos – e que, nalguns casos (como o de Letras) exigia, no final, uma tese e um exame, dito «de licenciatura». Em paralelo com os dois últimos anos da licenciatura, ou depois dela, faziam o curso de Ciências Pedagógicas (dois anos). Munidos destes dois diplomas (Licenciatura e Ciências Pedagógicas), candidatavam-se a um exame de admissão ao estágio pedagógico em que, uma vez aprovado, o candidato, durante dois anos, dava aulas gratuitamente, sob a super-visão de um «professor metodólogo» (mais tarde, os estágios passaram a ser pagos). Seguia-se o chamado «exame de estado» que profissionalizava o professor e lhe dava uma classificação de partida. Munido desta, o jovem docente concorria para onde houvesse vaga compatível com essa classificação. Cada ano de serviço classificado de «bom» acrescentava um ponto à classificação inicial. À medida que esta crescia melhoravam as condições de concurso a vagas em locais mais apetecidos, até que, ao fim de três ou quatro mudanças, ou seja, ao fim de dez ou doze anos, o professor estava onde queria estar para o resto da vida. E com bom salário, repito – o que justifica tanto sacrifício. Como se vê, era um percurso longo e penoso: sete anos de preparação específica e mais uma dúzia de carreira até à estabilidade plena. Para iniciar esta caminhada, é claro que era preciso um forte apelo vocacional. Mas não bastava: era preciso ter garantias seguras de bom salário final. Aqui reside UMA explicação da procura que esta profissão tinha (haverá outras, como veremos). Como aqui reside também a explicação do contrário – porque é que hoje (quase) ninguém a quer: porque o salário é pouco mais que miserável. Mas o pior – e mais grave – é que a exiguidade salarial não tem só que ver com a quantidade de vocações docentes: tem que ver, também, com a sua qualidade. Como tentaremos explicar em próximas crónicas em que abordaremos outros motivos para a «desertificação da docência». Para já, fica este registo: sem melhores salários não teremos mais – e, muito menos, melhores – professores.
Autor: M. Moura Pacheco
DM

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2 julho 2022