II – O ESTATUTO
Quando eu andava no Liceu (nos anos 50 do século passado – como já disse em crónica anterior sobre o mesmo assunto), a profissão de professor era socialmente muito prestigiada. Não só porque era bem paga (como também já disse), mas principalmente porque à sua função na sociedade era atribuído um estatuto superior.
Estatuto que os professores prezavam e cultivavam ciosamente. Desde a maneira como se vestiam à maneira como falavam, da maneira como viviam à maneira como agiam e se comportavam. Tudo era clássico, sóbrio, concordo que, às vezes com um bocadinho de solenidade a mais, mas sempre – dentro das variáveis de personalidade – preservando esse estatuto social respeitável e, por isso, respeitado.
Contribuía para esse respeito a sua qualidade profissional – científica, pedagógica e didáctica. Na sua maioria, os professores eram bons e muito bons. Nas margens havia as minorias dos maus e dos óptimos.
Este duplo e prestigiado estatuto – social e profissional – a par da vocação e do salário, era um dos grandes pólos de atracção para uma carreira trabalhosa (para não dizer penosa), como já, em crónica anterior, expliquei. Mas havia uma carreira – pelo que se via, atractiva e compensadora.
Ora tudo isto se perdeu. A despeito das declarações de amor e dos protestos de respeito das autoridades competentes pela profissão docente, esta já não goza, junto do Estado e do público, do prestígio social que já teve. Por um lado, porque sucessivos governos passaram a tratar os professores como funcionários de segunda, pessoal pouco qualificado. Por outro lado, porque a própria classe se «despromoveu», se «proletarizou» - na maneira como fala, na maneira como se comporta, na maneira como reage às agressões do Poder, e até na maneira como se veste e se apresenta. E, sobretudo, no exagerado informalismo de práticas e modos que, por seu passo, levam à famosa perda de autoridade da Escola – outro golpe duro no prestígio social da docência.
Lembro, a propósito, as reacções públicas à «avaliação de desempenho» que a então Ministra de Educação Lurdes Rodrigues pretendeu fazer contra os professores, em vez de a fazer com os professores. Estes, embora cheios de razão, lamentavelmente, reagiram em manifestações de rua do mais baixo nível cívico: aos saltos, aos gritos, com cartazes grotescos e cantigas pimba. Em manifestações posteriores, o estilo manteve-se, com a classe a desautorizar-se a si própria e a contribuir para que a parte contrária (o Ministério) lhe perdesse o respeito.
E a terminar lembro ainda um senhor Professor que um dia vi na televisão, em mangas de camisa e envergando um colete desabotoado, a clamar pela perda de «status» (como ele dizia) e de prestígio social da docência. Não se percebe tal clamor com tal informalidade.
Não sei como se devolve à profissão docente o estatuto motivador da carreira, sem o qual esta continuará pouco atractiva para jovens diplomados. Sei que não se faz por decreto. Mas faz-se com ajuda empenhada do Governo na auto-regeneração da classe. Por respeito a si própria.
Nota: por decisão do autor, o presente texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.
Autor: M. Moura Pacheco
A crise docente (2)
DM
3 julho 2022