Neste mundo cada vez mais imprevisível, onde tudo pode acontecer, sem aviso prévio, a qualquer momento, em qualquer lugar, leva-me a concluir que estamos em crise
Bem, mas quando se fala de crise associamos logo aquela crise que decorre dos aspetos económicos e financeiros dos estados. Por exemplo, a crise económica a que Portugal ficou sujeito naquele período compreendido entre 2010 e 2014, deixando resíduos pelos anos seguintes, e que ainda hoje não está sanada que afetou também a Zona Euro, ou por outra, foi mais sentida em alguns países da Zona Euro.
Foi sem dúvida um período conturbado, podemos dizer, a nível mundial. Mas a crise a que eu me quero aqui referir não é de cariz económico. Refiro-me à crise de confiança, ou melhor de desconfiança, que existe a nível global, e que não sendo palpável tem efeitos diretos e devastadores nas sociedades, afetando toda a humanidade.
Na minha perspetiva, a grande crise do momento, muito pior do que uma crise económica, é a crise de confiança entre os povos que habitam na Terra, a um nível macrossociológico, e também a nível microssociológico, verificável nas relações interpessoais e dos grupos.
Todos os dias nos deparamos com situações que decorrem precisamente da falta confiança (desconfiança). Ninguém já confia em ninguém, seja nas relações laborais quotidianas, seja na rua, seja onde for. E esta tendência tem vindo a agravar-se cada vez mais deixando sequelas de natureza vária, seja ao nível da saúde mental de cada um de nós, seja ao nível político, económico ou social. Porquê? Porque a confiança é o cimento social, é o elo de ligação das sociedades e da ação coletiva.
A confiança funciona nas sociedades como o óleo funciona num motor de um carro. É o lubrificante da harmonia e da qualidade das relações sociais. Sem níveis de confiança as sociedades não têm sentido, e caminham para o caos. As relações de confiança, quer entre os estados, quer entre as pessoas ou grupos são uma espécie de parceiro que enriquece a solidariedade, promovem a simplificação das relações sociais, têm caráter moralizador e promotor da ordem social.
Temos vindo a verificar que, naqueles países onde os níveis de confiança entre os cidadãos são elevados, os níveis de sucesso são também elevados. Baixos níveis de confiança geram a ruína nas sociedades e nas organizações/instituições, sejam elas públicas ou privadas, porque, simplesmente, a desconfiança é inibidora da ação.
O que temos vindo a assistir no mundo, e as guerras são um efeito da falta de confiança, é que a marcha civilizacional tem vido a desmaterializar as relações de confiança, e gerou-se tal instabilidade mundial que nem mesmo o suporte jurídico consegue fazer a inversão da situação. E o resultado está à vista de todos – a paz no Mundo está comprometida porque a confiança está em crise.
Se olharmos para as sociedades primitivas, o conceito de confiança nem sequer era pensado. Longe vão os tempos que se celebrava um negócio com base na confiança, com um simples aperto de mão, ou regado com um copo de vinho. Longe vão esses tempos em que a confiança não era sequer posta em causa, eram os tempos da “palavra dada”, pelo que a crise de confiança levou ao aparecimento de, no plano do direito, instituições, contratos, e outras figuras legais cada vez mais elaboradas.
A confiança é baseada num jogo de expetativas recíprocas, ou seja, espera-se que o outro aja em conformidade. Espera-se um comportamento previsível em função do contexto do momento. A confiança tem uma ligação direta com a verdade, com a sinceridade, com a justeza.
Podemos dizer que é um bem público o qual é gerado pela própria sociedade civil, o que significa que as sociedades e as organizações com forte cultura de confiança são mais produtivas, e mais coesas, e com estabilidade sistémica. Contrariamente, sociedades e organizações com fraca cultura de confiança desagregam-se ao longo do tempo.
Autor: José Zêzere Barradas
A crise de confiança

DM
13 março 2019