O tema, devo confessar, não apaixona as portuguesas e os portugueses; não está na lista das suas preocupações e quando o hemiciclo se debruçar sobre o texto fundamental, não haverá greves nem manifestações – máxima expressão da indignação com que, naturalmente, as cidadãs e os cidadãos, afirmam os seus protestos, as suas reivindicações, os seus nãos e os seus sins. Porquê? Ora aí está a pergunta que deveria merecer, em primeiro lugar, a preocupação da Assembleia da República. A Indiferença, neste caso, tem uma resposta fácil e simples: a Constituição portuguesa “é intragável”, inelegível e só passível de ser interpretada por constitucionalistas, por políticos dotados de formação jurídica e talvez por algumas curiosas e curiosos da cousa constitucional. Os demais – todas e todos nós – somos uma espécie de violadores inocentes, mas em potência, dos termos da “magna carta”, vítimas diretas e indiretas de quem, sem escrúpulos, viola o seu articulado e pacíficos assimiladores dos efeitos para o bem e para o mal de tudo o que é determinado e determinante. Esta condição, muito portuguesa, diga-se, aliás, não serve a Democracia, não serve a consciência nem o exercício da cidadania política ativa. Ao invés da Assembleia da República se preocupar em colocar na praça pública as alterações propostas pelas diferentes forças políticas, com explicações claras sobre o alcance da revisão, esta fica-se, como tem acontecido, pelos corredores da negociação nos passos perdidos do Parlamento e perdidos devem andar as eleitas e os eleitos, mais uma vez atordoados pela institucionalização da Democracia participativa.
O que seria interessante e daqui se lança o repto, é que o Presidente da Assembleia da República convoque, a tempo e horas, uma consulta pública, permitindo uma normal participação daqueles, que ela própria, talvez por inação ou convicção, considera não estarem aptos para acrescentar valor ao texto constitucional. Talvez se surpreenda, apesar de, como disse, este ser um texto inelegível e “intragável”, citando as palavras do democrata, advogado e distinto bracarense, Alberto Jorge Silva que tive o prazer de ouvir numa rara mas saudada iniciativa do PCP de Braga que organizou, na semana passada, uma conferência sobre a revisão constitucional, em sala cheia, na escola secundaria Sá de Miranda. Se queremos celebrar a Democracia, fortalecer o Estado de Direito e munir as cidadãs e os cidadãos de instrumentos de defesa dos seus direitos e deveres, então é necessário, citando a obra publicada pela Assembleia da República, concebida e coordenada por Maria Emília Brederode de Santos, com texto de Leonor Baeta Neves, colocar na ordem do dia “A Constituição da República Portuguesa trocada por (para) miúdos”. A obra, teve uma segunda edição revista em 2003, mas, infelizmente, não teve o alcance desejável, pelo que se torna necessário, revisitá-la, com as autoras, pensá-la e à luz de uma linguagem acessível (dá-se preferência a uma linguagem dos 7 aos 77 anos) e com o alto patrocínio dos nossos impostos entregar um exemplar em casa de cada família portuguesa. Claro, que no momento em que o país atravessa uma crise, com todas as consequências graves para a nossa qualidade de vida, ter aquele livro, não é uma prioridade, dirão os defensores do “status quo”. Para mim, é inconfundível que abordar este problema, desta forma, é pura demagogia e apenas serve os que acham que há temas e áreas que devem pertencer a uma elite, desprovidas da participação das cidadãs e dos cidadãos que já fazem o favor de os eleger. Mas a Democracia, ao contrário dos detentores dessa relação “absolutista” entre governados e governantes, já não se serve assim. Ela exige muito mais, ela é hoje dinâmica, fluída, exigente e apesar de continuar a tolerar os desvaneios, há muito que assinalou o sinal amarelo a quem se candidata a um lugar, seja ele na Assembleia da República ou outro. A mensagem que importa, é que, neste caso, o papel dos eleitores não termina no momento da eleição. É aí que ele verdadeiramente começa. E quando se trata de alterar a Constituição, então, tudo mexe, tudo se pode exigir, tudo se pede para que tudo, sendo compreendido e participado, possa resultar em major consciência e participação política. Afinal, não é isso que a Constituição pede, consagra e exige a cada uma e a cada um de nós?
Autor: Paulo Sousa