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A constitucionalidade da lei que criminaliza os maus tratos a animais de companhia

Maltratar um animal de companhia passou a ser crime pela Lei 69/2014, de 29 de Agosto, e desde então disparou o número de queixas às autoridades policiais. O jornal PÚBLICO, na edição do passado dia 8, dá notícia que “um dos Procuradores do Ministério Púbico junto do Tribunal Constitucional, José Manuel Ribeiro de Almeida, defende que a lei que criminaliza os maus tratos a animais de companhia afinal respeita a lei fundamental”, sendo necessário apenas mudar a redação da lei por forma “a tornar menos ambíguos conceitos como o de animal de companhia ou de maus tratos”. Segundo o referido Procurador, o principio constitucional que poderá justificar a criminalização dos maus tratos é a disposição segundo a qual Portugal é uma República “empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Mas, como muito bem refere o constitucionalista J.J. Gomes Canotilho “a República Portuguesa é verde. Embora no texto da Constituição da República se afirme apenas como um Estado de direito democrático, parece legítimo acrescentar-se um outro elemento constitutivo – o elemento ecológico. O princípio antrópico através do expresso reconhecimento da dignidade da pessoa humana constitui ainda a base fundacional da República, mas a Constituição tem importantes sugestões textuais no sentido de uma República ecologicamente autosustentada (cf. artigos 9º/e, 52º/3, 66º, 81º/b ). A dimensão ecológica, obrigará, porventura, ao repensamento da localização do homem dentro da comunidade biótica, independentemente de se saber se existem direitos fundamentais dos seres vivos (dos animais, das plantas). Por outro lado, a dimensão ecológica da República justificará a expressa assumpção da responsabilidade ambiental. O ambiente passa a ser, assim, não apenas um momento ético da República (ética politico-ambiental), mas também uma dimensão orientadora de comportamentos públicos e privados ambientalmente relevantes” (cf. do autor Direito Constitucional - pag. 221). A Filosofia do Direito também nos dá uma orientação nesta matéria, na medida em que os seus princípios, ao longo dos tempos, deram – e continuam a dar um grande contributo ao Direito. Assim, ao analisar a reação à ilicitude, a Filosofia do Direito apresenta os vários tipos puníveis, entre os quais se encontra “as ofensas às pessoas através dos seus bens”. E os animais de companhia são bens indispensáveis para os seus donos. Por outro lado, relativamente à construção jurídica, analisa-se a ação legislativa inovadora, desde que seja mais razoável e mais justa. Assim, as alterações reais de condicionalismos impõem que o legislador não hesite em adotar medidas inovadoras (cf. Filosofia do Direito, pags. 416 e 587 - Soares Martinez). Segundo o filósofo Peter Singer, aliás na esteira de outros filósofos, “a dor e o sofrimento são maus e devem ser evitados ou minimizados, independentemente da raça, sexo ou espécie do ser que os sofram”, reprovando tudo o que signifique menos humanidade no trato dos animais. (cf. Ética Prática, pag. 81 – Gradiva). Vale a pena ler, com muita atenção, este livro, onde o autor pergunta (e responde) se teremos o direito de fazer sofrer os animais só para satisfazer o nosso prazer”. Este é um dos pontos de reflexão fundamental que Peter Singer apresenta para todos os que se preocupam com os grandes problemas éticos do nosso tempo. E quando se fala em maus tratos aos animais, logo vem à mente as touradas. Uma medida importante é a decisão do Parlamento Europeu ao aprovar uma proposta a impedir a utilização de fundos europeus para financiar touradas. Trata-se de uma excelente medida, que, por ir ao encontro da vontade de uma larga maioria dos cidadãos europeus e portugueses, deve merecer uma atenção muito especial do Governo e das Autarquias, já que é inaceitável que fundos europeus sejam utilizados para financiar, direta ou indiretamente, uma atividade que explora o sofrimento animal para entretenimento. De acordo com artigo 13º do TFUE, aceite pelo Tratado de Lisboa, a “União e os Estados-membros deverão ter plenamente em conta as exigências em matéria de bem dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas”. Daqui resulta a obrigação de reconhecer os deveres de proteção e bem estar dos animais por parte do legislador da UE e dos Estados membros. Todas as manifestações de cultura acumuladas, através das gerações, deve corresponder a tentativas de aproximação aos valores ideais, nomeadamente lutar por um mundo livre de crueldade e violência gratuita contra animais indefesos, por maldade ou apenas para divertir. Por todas estas razões, afigura-se-me ser correta a opinião do referido Procurador do MP, salientando-se a sua coragem em contrariar as decisões do Tribunal Constitucional, em texto publicado na Revista do Sindicato do M.P.
Autor: Narciso Machado
DM

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15 fevereiro 2023