Não é que tenha uma boa imagem dos orçamentos participativos, mercê do modelo utilizado, mas é melhor que nada quando continuamos a assistir em Portugal a uma relutância militante de uma grande parte das autarquias locais ao desenvolvimento de uma política de proximidade e integradora da vontade dos cidadãos. Ao contrário do que pensam os eleitos, a ascensão ao exercício do poder autárquico não é um bem absoluto que lhes permita fazer o que querem; é, antes de mais, um exercício permanente de auscultação e de criação de condições ao desenvolvimento de comunidades criadoras de alternativas e de ajustamentos dinâmicos às suas necessidades.
Os últimos dados divulgados pela Associação Oficina e ontem publicados pelo Jornal de Notícias só vem agravar a perceção que os orçamentos participativos, apesar da pouca participação efetiva dos cidadãos, desde a sua criação no Brasil há 30 anos, entraram na fase de decadência. Em 65 países que integram o levantamento, foram suspensos 55 por cento, 24 por cento continuaram nos mesmos moldes e apenas 21 por cento alteraram o seu modelo. A explicação dada – efeitos da pandemia – não me convence e cheira-me mais a um canto fúnebre anunciado à distância. Numa verdadeira democracia participativa, com forte pendor de abertura e resposta às necessidades de cada bairro ou localidade, são as cidadãs e os cidadãos, os que, em primeiro lugar, determinam como querem viver. Ninguém tem o direito de impor modelos inadequados ou que se sobrepõem à vontade popular. Esta realidade é ainda mais cruel quando olhamos para os orçamentos participativos de índole escolar. Em Portugal, de acordo com o Atlas Mundial dos Orçamentos Participativos, foram cancelados 96 por cento dos instrumentos de participação dos jovens. Não é só grave, como revelador de que, por vezes, as desculpas só servem para esconder dificuldades acrescidas no convencimento dos mais jovens a serem parte ativa na defesa dos seus próprios interesses. É confrangedor verificar, ao mesmo tempo que se desenvolvem iniciativas como o parlamento jovem, que a fraca participação dos mais novos na eleição dos seus representantes, continue a ser uma constante da vida escolar. Pior, é a ausência de uma adequada organização dos parlamentos jovens por esse país fora que não passam de uma simulação do funcionamento da Casa da Democracia, sem consequências e pouco relevante para os que a ocupam efetivamente. Se queremos inverter esta realidade, seria interessante que se investisse na dignidade dos parlamentos locais – Assembleias Municipais – e a ela se atraíssem os mais novos como forma de os aproximar do que é a realidade local e como se produzem as decisões que afetam o quotidiano das famílias a que estes jovens pertencem. Não há soluções milagrosas para os efeitos nefastos da Indiferença que estamos a cultivar e não será, digo, por via de imposições obrigacionistas, que alteraremos o estado de suicídio coletivo na participação democrática. Esta semana, Braga deu mais um triste exemplo que se adivinhava: 80 por cento dos estudantes universitários viraram as costas à eleição dos seus representantes numa das mais dinâmicas universidades portuguesas. A Comissão Eleitoral veio reconhecer que devia ter feito mais para convencer os jovens. Provavelmente não teria sucesso. Se fossem alterados os pressupostos da eleição, através de cada escola e de ciclos eleitorais de maior proximidade, que contribuíssem posteriormente para a eleição da direção académica, talvez os números pudessem ser diferentes. Seja como for, parece subsistir a ideia de que esta ausência, não sendo uma novidade, é uma fatalidade a que todos se habituaram, convencidos que estão, de que não há nada a fazer. O pior, é que estes jovens, futuros profissionais, líderes, pais de família, carregam no seu ADN, a ausência como natural. É uma força poderosa que todos temos de combater, a começar por aqueles que, sendo eleitos, por apenas 20 por cento dos eleitores, deveriam estar a corar de vergonha pela medíocre representatividade alcançada. Sem vontade para decidir em sentido contrário, sem motivação para alterar o status quo, nada será diferente e tudo se conjuga para que nas próximas eleições legislativas, a malta continue a engrossar as estatísticas da Indiferença.
Autor: Paulo Sousa