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A comunicação entre Jesus e os discípulos de Emaús

1. Vale a pena voltar ao episódio da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús para explicitar melhor a forma de comunicaçãoque aconteceu entre ele e os dois discípulos. Não apenas por mera curiosidade técnica, mas também como forma de descobrir algo de semelhante na nossa vida, o que pode ajudar a entender muitos acontecimentos. Este episódio vem narrado no último capítulo do Evangelho de S. Lucas: após a morte de Jesus e depois de ter sido sepultado por José de Arimateia num jazigo seu, talhado na rocha, como era costume na época, no dia a seguir ao Sábado (que é o nosso Domingo), algumas mulheres que seguiam Jesus foram ungir o seu corpo e, ao chegarem lá, depararam o túmulo vazio. Enquanto se lamentavam que alguém pudesse ter roubado o corpo de Jesus, “dois homens com trajes resplandecentes”informaram-nas que ele tinha ressuscitado… já não estava ali. Nesse mesmo dia, dois discípulos de Jesus regressavam de Jerusalém a Emaús, onde moravam, tristes e desanimados por causa dos acontecimentos recentes e do que isso significava para a vida deles. A certa altura da viagem, cruza-se com eles um outro homem, que entra na conversa deles e começa a falar do que consta nas Escrituras a esse respeito. E lá seguiram os três, conversando, até casa. Ao chegarem perto da casa deles, o homem fez menção de se despedir e continuar o seu caminho; mas eles, como já era noite, convidaram-no a pernoitar lá. E ele aceitou. Ao jantar, pelo modo de partir o pão, reconheceram que era Jesus que estava com eles, mas que logo desapareceu. Admirados, desabafaram entre si: “desde o inícioda conversa que sentíamos o coração a arder quando ele nos falava...”

2. Vemos, portanto que, para além da comunicação verbalentre Jesus e estes discípulos, houve também uma outra forma de comunicaçãonão-verbal, íntima e emocional, em que a pessoas se comunicam sem precisar de palavras ou de gestos (não nos referimos aqui a uma comunicação não-verbal mímica ou corporal). Exclui-se, à partida, qualquer hipótese de fantasia no texto porque este tipo de comunicação não-verbal só pode acontecerentre pessoas reais. Neste modo de comunicação constatam-se sempre três características essenciais: atenção mútua, diálogo não-verbal e pensamento-positivo.

2.1.Atenção mútuainteiramente focada entre as pessoas que estão em presença. Esta é uma forma de atenção característica do fenómeno de enamoramento, uma atenção plena, não dividida, que intui, não precisa de palavrase que só através dela se pode adquirir um conhecimento pessoal mais profundo do outro. Para além dessa atenção mútua agradavelmente focada, há um clima psicológico depensamento-positivo,de satisfação, de esperança, de confiança que se expressa no tom de voz e na expressão facial. Estas mensagens não-verbais são mais profundas que as da palavra e dificilmente esquecem…

2.2. Condição decisiva deste tipo de comunicação é que só acontece em situação presencial, face a face. Se fosse por telefone, essa experiência ficaria mais pobre, embora ainda se pudessem perceber as inflexões de voz; por e-mail, mais pobre ainda, pois só se podia perceber algo de pessoal através do estilo de linguagem usada. É por isso que a internet, embora possa aproximar as pessoas, é pobre em termos emocionais e em elementos de reconhecimento íntimo.

2.3. Há ainda um outro factor nessa forma de comunicação não-verbal: uma sincronia profunda entre as pessoas envolvidas: olham-se e comunicam-se pelo olhar do coração, como que dispensando as palavras e bastando a presença. É como se estivessem para além do tempo verbal. É por isso que nesse tipo de diálogo enamorado quase se perde a noção do tempo, ou então mal se dá pela sua passagem… É um fenómeno que também acontece noutras experiências de intensidade afectiva ditas sobrenaturais, como, por exemplo, em episódios místicos e aparições. Por exemplo, em Fátima, observou-se que havia, no momento da aparição, uma atenção plena e uma sincronia profundaentre os videntes e Nossa Senhora, como se nada mais houvesse à sua volta, completamente absorvidos naquela presença e diálogo, com o deslumbramento da beleza, do amor… e não ouviam nem viam mais nada. Quanto ao Francisco, só depois de uma maior intimidade e de sincronia mais profunda (isto é, de rezar muito) começou a ver Nossa Senhora.

Regressando ao episódio dos discípulos de Emaús, vamos encontrar as mesmas características:a plena atenção, a certeza pessoal da presença de Nossa Senhora, a sincronia profunda de pensamentos e emoções, a alegria, o pensamento-positivo, a confiança…

3. Trata-se de uma forma especial de conhecimento anterior à dapercepção/inteligênciana organização do nosso cérebro, tal como hoje a temos e pode-se observá-la logo após o nascimento, sendo por isso inata(infelizmente, vai-se perdendo com o crescimento e com o modelo de escolarização). Constatei esse fenómeno numa criança recém-nascida. Num hospital, uma jovem mãe ia fazer um parto por cesariana. Acabada a intervenção, trouxeram a criança para o berçário e a mãe ficou mais de 1H em recuperação. A criança vinha a chorar e a chorar ficou quase entre as 22H e as 24H. A enfermeira ia lá, aconchegava-lhe a roupa, vigiava o aquecimento, oferecia-lhe água, mas ela recusava e não deixava de chorar nem abria os olhos. Cerca das 24H, trouxeram a mãe já recuperada para o seu quarto e levaram-lhe a criança, que continuava a chorar, de olhos fechados. Logo que a colocaram junto da mãe, parou imediatamente de chorar, abriu os olhos e fitou-a demoradamente, como que tranquilizada pela presença da mãe, pela sua voz, pelo cheiro do seu corpo... E assim continuou, por algum tempo a olhar para ela (comunicação não-verbal em presença, sem desviar o olhar), nesse diálogo de comunicação íntima, deprotoconversação, acabando por adormecer, cansada de tanto tempo a chorar. Só passado algum tempo, voltou a abrir os olhos e começou a alimentar-se. E assim começa uma nova etapa de uma relação especial.

Há tanta coisa que ainda não sabemos, mesmo ao nível do nosso dia-a-dia… mas que não se pode negar só pelo facto de não se saber.


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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12 maio 2019