Nos tempos trágicos e difíceis que vivemos, somos mais dados a reflexões pessoais em que questionamos o sentido da vida, a nossa fragilidade e finitude, o mistério e a sacralidade da morte, a sobrevivência da alma e outros temas filosóficos e teológicos de abordagem complexa e cuja transcendência interpela a nossa consciência e desafia a nossa mente e o nosso espírito.
Foi isso que fiz na minha última crónica. E, por isso, não vou repetir a dose, sob pena de abusar da paciência de quantos têm a bondade de ler os meus escritos.
O assunto que hoje me proponho abordar é mais prosaico e de carácter mais prático, mas nem por isso de menor importância: os actos de lavar e dar as mãos. Isso mesmo, lavar e dar as mãos.
De facto, desde a antiguidade, o hábito de lavar as mãos foi considerado de grande alcance social, não apenas por razões de higiene, como as que ditam a sua prescrição antes de tomar uma refeição, mas também por razões de ordem moral, enquanto prática ritual e simbólica a observar por sacerdotes e anciãos, tanto em cerimónias religiosas como até em certos trâmites judiciais do passado, para vincar a limpeza da alma ou a isenção de culpa.
E se sempre foi valorizado tradicionalmente e faz parte do nosso quotidiano, este acto é hoje assumido e reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos principais instrumentos contra as epidemias, ao ponto de lhe ser dedicada uma data: o Dia Mundial de Lavar as Mãos, celebrado no dia 15 de Outubro.
Compreende-se, por isso, que no cenário desta pandemia provocada pelo coronavírus, a correcta lavagem das mãos se tenha tornado uma das mais simples e eficazes formas de prevenção desta terrível doença.
E é bom que tenhamos consciência do valor e do privilégio de dispor deste tão comezinho meio de defesa, sobretudo quando milhões e milhões de pessoas em todo o planeta – cerca de 40% da população mundial – não têm em casa lavatório com água e sabão!
Importa, pois, que todos ajamos em conformidade com as insistentes recomendações das autoridades de saúde e lavemos as mãos com a frequência e modo que têm sido bem explicados. Se assim fizermos, estaremos a proteger a nossa saúde e a nossa vida e, consequentemente, a impedir a propagação da Covid-19, protegendo a vida dos outros, especialmente a dos profissionais de saúde e a segurança dos estabelecimentos hospitalares, onde se tratam os casos mais graves desta pandemia.
Mas se lavar as mãos é hoje um acto de sobrevivência colectiva, não nos é lícito fazê-lo como Pilatos, alijando a responsabilidade que sobre todos nós impende de ajudar os que mais precisam: os pobres, os idosos, os doentes, os que vivem isolados, os que nas suas casas não dispõem de saneamento básico ou não têm água e sabão para se lavar, os esgotados profissionais de saúde que todos os dias lutam contra toda a sorte de carências e de adversidades, os desempregados, em suma, todos a quem o infortúnio colocou em situação de extrema vulnerabilidade.
Do que se trata então é de pôr de parte o individualismo e o egoísmo e pensar nos outros, agindo em seu benefício, com criatividade e boa vontade. É de dar as mãos ao nosso próximo, de ser solidário com os vizinhos, de partilhar o pão e os afectos com os doentes e os necessitados, ou seja, de cumprir o mais importante e radical preceito cristão e humanístico – amar os outros como a nós mesmos.
É justamente na conjugação destas duas formas de tratar e usar as mãos que reside a chave da esperança da humanidade, quer no fim da pandemia quer na mudança para um mundo melhor, mais solidário, mais pacífico e mais justo. E também a chave para conquistar o céu.
Como muito bem proclamou S. Francisco de Assis, “quem não vive para servir não serve para viver”.
Autor: António Brochado Pedras
A Chave da Esperança

DM
3 abril 2020