A Europa acordou finalmente para a triste realidade que há tanto tempo se conhecia e fez o que devia: abriu a Caixa de Pandora e tratou de começar a limpar a casa. Não se conhecem, por ora, consequências mais devastadoras, mas é de esperar a continuidade da “purga” democrática às ervas daninhas que fizeram estremecer o edifício do Estado de Direito em que se baseia a União Europeia. O processo, tem tudo para se tornar uma lição para as escolhas que as diferentes famílias políticas fazem quando concorrem para ocupar o hemiciclo de Bruxelas e de Estrasburgo. O que se sabe, até agora, é muito pouco, mas é o suficiente para nos inquietar. Eva Kaili, ex-vice-presidente do Parlamento Europeu é, para todos os efeitos, o exemplo nefasto, do que se esperava há muito nos corredores parlamentares: a queda da farsa ética em que muitos dos eleitos vivem sob a capa da honestidade e da lealdade a princípios e valores fundamentais na política. Roberta Metsola classificou este caso como um ataque à Democracia europeia provocado pelo alegado caso de corrupção e não se conteve nas palavras e nas ações. Contudo, esta disponibilidade para atuar parece estar impregnada de hipocrisia, dado que há muito se fala da necessidade de apertar o escrutínio sobre os lobbies que invadiram os espaços de decisão em Bruxelas. Estes podem fazer o seu trabalho mediante regras de transparência, mas do que se sabe, o seu poder de influenciar tem sido tentacular e abrange de forma transversal o Parlamento europeu. Será que este escândalo beneficiará a transparência e uma escolha mais acertada dos candidatos? – Tenho dúvidas! Olhar para este caso e ver o que se passa em cada país, onde se sucedem os escândalos envolvendo políticos eleitos, é um exercício penoso. Não há semana que não arrebente, nas páginas dos jornais europeus, um escândalo, uma detenção, uma demissão, um afastamento, alimentando o populismo, os ataques extremistas à Democracia e isso equivale a uma sentença de morte que se está a espalhar pelo continente. Em Portugal, onde se continua a fingir que não é necessário regulamentar a atividade lobista, um estudo divulgado esta semana pela Fundação Francisco Manuel dos Santos volta a pôr o dedo na ferida, ou seja, nas inconsistências das leis e nos códigos de conduta que continuam, para além de fragmentados, a mostrar como é perigoso, acreditar de forma cega na capacidade de depuração dos partidos e do sistema judicial. O estudo “Ética e Integridade na política: perceções, controlo e impacto”, de Luís de Sousa e Susana Coroado, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, analisa o edifício jurídico em que assenta o combate à violação das regras e chega a uma conclusão óbvia: “há uma clara falta de vontade política” (sic DN). Minados pelos casos, os cidadãos questionam-se sob os méritos do regime democrático e acabam por escolher representantes do populismo, para quem a ética é um contratempo. Há, aliás, uma discreta movimentação nos corredores parlamentares que vai alimentando a incerteza, o faz que faz, a aparência e discursos simbólicos, cheios de pompa e circunstância, mas sem mérito e total transparência. A esta constatação não sou particularmente alheio. Há uma década, elaborei para uma empresa, um levantamento sobre os pontos fracos do sistema de gestão, que poderiam alimentar a corrupção. Ao entrevistar os responsáveis pelos setores mais sensíveis, percebi logo que a tarefa seria difícil: nenhum dos entrevistados estava disponível para aprofundar as regras de controlo e a pressão sobre os líderes da empresa fizeram-se sentir com as desculpas mais esfarrapadas. Não recuei no meu trabalho, mas percebi que a passagem à segunda fase da estratégia que me foi apresentada demoraria mais tempo do que desejável e, assim, o mérito de quem decidiu ficaria como empenado face às resistências internas. Sei que a empresa adotou um comportamento proativo e aos poucos foi afastando as ovelhas ronhosas. Tem sido, assim, aos solavancos, que se vai teimando na criação de regras claras e escrutínio a sério sobre quem ocupa lugares públicos. Qualquer ensaio sobre esta “cegueira” ética que nos ataca diariamente corre o risco de chegar à mesma conclusão de sempre: quem prevarica assume sempre o papel de cordeiro e quem levanta a poeira, é classificado como lobo.
Autor: Paulo Sousa