Segundo a comunicação social, na semana passada os grupos parlamentares do PS e PSD manifestaram a intenção de alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público, reduzindo o número de magistrados e aumentando de membros indicados pelo poder político.
Recorde-se que este órgão é responsável pela disciplina e pela gestão dos procuradores, cabendo-lhe escolher várias figuras de topo da hierarquia do Ministério Público (MP), desde o vice-presidente-procurador geral da República ao diretor do Departamento Central de investigação de Ação Penal, onde se investiga a criminalidade mais complexa. Perante tal facto, o Sindicato do MP anunciou a realização de uma greve, atendendo a que a alteração preconizada significaria, além do mais, “ir por diante a possibilidade de os políticos ficarem com o poder de quem os vai investigar e de decidir quais os procuradores que seriam promovidos ou ocupariam os lugares decisivos no combate à corrupção”.
Este desejo de alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público, por parte de alguns parlamentares significaria o retorno à cartilha do regime anterior, violando, grosseiramente, os princípios proclamados pelos constituintes de 1976. Com efeito, a estrutura do atual MP, que os constituintes de 1976 conceberam, não permite nenhuma aproximação, nos planos estrutural, funcional, estatutário e organizacional do MP ao regime anterior, que era uma estrutura monolítica, monocrática e verticalizada. Tendo como única função constitucional a representação do Estado. O MP estava ligado ao governo, por estreito vínculo hierárquico, através do ministro da Justiça. Porém, os constituintes de 1976, ao modelar o novo MP, asseguraram-lhe as condições necessárias ao exercício autêntico e livre das suas funções. Num sistema democrático, como é o nosso, a atuação do MP na defesa da legalidade também não pode oscilar ao sabor das filosofias e opções políticas oportunísticas ou de conveniências táticas do poder político. No exercício da ação penal, preconizada constitucionalmente, não poderá o MP obedecer a outros comandos que não os que dimanam da própria lei e lhe sejam impostos pela sua consciência ética e profissional.
No quadro constitucional atual, o legislador deixou vincadamente destacado que os magistrados do MP dependem exclusivamente, na ordem hierárquica, da Procuradoria Geral da República (PGR), orgão supremo do MP, sendo dirigida por uma individualidade (Procurador Geral) de nomeação e exoneração livres do Presidente da República, perante quem, obviamente, será exclusivamente responsável. Sendo a PGR o órgão definidor das grandes linhas estratégicas de atuação do MP e que devendo nele ter assento representantes da Assembleia da República, bem como dos vários escalões da hierarquia, como impõe as exigências da democraticidade interna, estabelecida na Constituição, por essa via, sempre o poder político poderá, respeitando a autonomia do MP, fazer ouvir as necessidades de ordem pública que determinem particulares formas de atuação do MP nesse domínio ou em qualquer outro.
A autonomia do MP é tão importante na realização de uma justiça isenta e imparcial que são cada vez mais os países a seguir estrutura organizacional idêntica. Mas, nada desta organização será eficaz, se os magistrados judiciais e do MP, nos momentos cruciais em que são postos à prova, não revelarem coragem moral, firmeza de ânimo, retidão de carácter, lucidez analítica dos factos e espírito isento. Os políticos têm de se convencer que sem uma verdadeira autonomia do MP, face ao executivo e outros poderes do Estado, fica seriamente ameaçada a realização da missão que lhe é própria, no âmbito da ação penal, que apenas, como se disse, deve ser orientada pelo princípio da legalidade.
Como muito bem refere o Sindicato do MP, “o que está em causa neste momento é se a nossa sociedade quer uma investigação criminal autónoma ou pretende um sistema dominado pelo poder político, pondo fim à separação de poderes”.
Autor: Narciso Machado
A autonomia do MP ou o retorno à cartilha do Estado Novo?

DM
19 dezembro 2018