twitter

A Ágora de que precisamos

Ao ler uma entrevista de Salvador Rueda, diretor da Agência de Ecologia Urbana de Barcelona, ao Jornal Público espanhol, lembrei-me instintivamente da analogia comummente feita entre os conceitos de interstício e os espaços orgânicos das cidades, uma metamorfose aparentemente caótica, mas encaixada na diversidade urbana ocupada por edifícios e sujeita à forma como as pessoas se apropriam dos espaços vazios, a partir da visão geométrica de Euclides (300 a.C ), numa fusão de arquitetura, ciências da Física e da Biologia. Autor da Carta para a Planificação Ecossistémica das Cidades, Rueda abre a reflexão ao exercício de cidadania, comparável à socialização da rua e o que ela significa hoje para cada um de nós. A partir desta ideia de fusão entre natureza e urbanismo – a ser merecedora de debate amplo nas nossas cidades – percebemos como é importante distinguir os diferentes conceitos que rodeiam esta visão urbana: socioecologia e ecologia urbana. O debate é tão ou mais urgente, quanto a necessidade de repensarmos as funções humanas e a sua inevitabilidade enquanto organismos nas relações que estabelecemos entre densidade, diversidade e multiplicidade espacial. No fundo, precisamos de uma “planificação ecossistémica” que sintetize e assimile um modelo urbano baseado no conceito de “morfologia compacta, organização antrópica e biológica, metabolicamente eficiente e socialmente coesa”. Em defesa das suas ideias, Salvador Rueda, deixa-nos várias pistas sobre as soluções para redesenhar as cidades em função do que as caracteriza e as distingue de um conjunto de edifícios que podem constituir uma urbanização: o espaço público. É para aqui que convergem as pessoas e é daqui que se espera que proliferem diferentes ecossistemas capazes de aglutinarem o melhor da mobilidade com o resultado da sua presença nas ruas; uma perspetiva de partilhas entre ideias, interesses e convívio. A recente abertura ao debate para a elaboração do Plano de Mobilidade da cidade é, assim, uma oportunidade para redesenhar a Ágora de Braga, tornando-a efetiva e parte integrante da mobilização desejável em torno da cidadania e do seu significado para o importante equilíbrio entre a ideia de uma cidade para todos e a tendência para a transformarmos em parque temático. Se a Ágora de Atenas foi fulcral para a Democracia e essencial para a assunção da responsabilidade cívica, ela hoje é vital para as dinâmicas sociais que ajudam a manter o estatuto de cidade; o mais difícil é torna-las permanentemente viáveis face ao estatuto económico que continua apostado, não em fornecer serviços, mas a vender coisas, acrescentando-lhes a dose certa de dependência. Falta nas nossas cidades, o exercício do apostolado urbano essencial à viabilidade humana equilibrada, inclusiva e assertiva. A Ágora não é apenas o espaço desejável ao exercício da democracia; representa, por si só, a aurora da liberdade e da criação, da inovação, do pensamento e da fluidez cultural. Braga tem hoje, através de entidades como o Teatro Circo, a capacidade para manifestar de forma consistente, a sua diversidade, polarizando a disponibilidade das pessoas, para em conjunto viabilizar o ecossistema urbano, sem medos nem tabus. Precisamos, com urgência, de ocupar os espaços, de os tornar organicamente sadios e disponíveis para que se cumpra esta e todas as Ágoras que se querem erguer entre a caótica capacidade de ser e a forja que multiplica as oportunidades e a capacidade de influenciar de forma diferente. Os próximos anos serão uma montra do que formos capazes de planear hoje, pelo que o debate urgente e profundo de soluções multiorgânicas que se desenham para Braga, não só constituem uma necessidade, como o cumprimento de um legado histórico e um dever perante a oportunidade de sermos parte da solução.
Autor: Paulo Sousa
DM

DM

5 janeiro 2020