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A actualidade de Albert Camus

A notícia da morte de Albert Camus encontrava-se na página 16 do Diário de Lisboa de 4 de Janeiro de 1960. A actualidade e a relevância da obra de Albert Camus e do seu exemplo cívico e intelectual nunca pereceram. O diário Le Figaro recordava-o na quinta-feira num título da primeira página: “60 anos depois da sua morte, Albert Camus mais actual do que nunca”. Não é por acaso que, por exemplo, a mais recente edição da revista L’Express lhe dedica 34 páginas e a capa, onde é designado como “um ícone francês”, ainda que ele seja bem mais do que isso. Nesse dia 4 de Janeiro de 1960, que calhou a uma segunda-feira, era ainda notícia no Diário de Lisboa a passagem de ano – “comemorada com ruído e distúrbios (será que se ouvem em Marte?)”. De manhã, assinalava o vespertino, tinham começado as aulas do 2.º período lectivo, que, nos liceus, terminaria a 24 de Março. Entre os casos de polícia a que se tinha concedido atenção, encontravam-se a descoberta de uma rede que imprimia, na Trafaria, passaportes falsos que custavam onze contos a quem queria emigrar para França e um roubo num estabelecimento comercial da freguesia de Rendufe, em Amares, cujo autor já tinha sido capturado. Particularmente relevante era a notícia da entrada em vigor da semana inglesa. O Diário de Lisboa incluía informações abundantes e variadas: “os preços dos produtos” (a couve portuguesa, “com meia dúzia de folhas”, vendia-se a 1$00 cada uma. O peixe mais barato era o chicharro a 3$90. As galinhas custavam 48$00 e os frangos 35$00); a “relação dos objectos achados ontem e hoje em Lisboa e depositados no Governo Civil” (uma bicicleta, um cão, um guarda-chuva, uma quantia em dinheiro e um véu preto eram os cinco primeiros itens da lista, que incluía ainda um metro articulado e um par de dispositivos de mudança de direcção de um veículo automóvel); e as entidades que tinham enviado ao jornal calendários para esse ano de 1960 (eram poucas os que tinham cumprido o hábito). A publicidade era variada. Um anúncio divulgava a chegada de “mais uma remessa do novo disco de grande sucesso de Marino Marini”. Outro, em quatro linhas, formulava um convite: “Depois do jantar / visite as nossas montras / Casa Max / 193-A Rua D. Estefânia 193-F”. Braga, por maus motivos, também era notícia. O clube encontrava-se em penúltimo lugar no campeonato nacional de futebol, após um jogo decepcionante: “Esperava-se que o ‘team’ bracarense aproveitasse a visita do Lusitano para o começo da sua reabilitação, mostrando aos seus apaniguados que merece ocupar posição mais destacada na tabela”. O empate com a equipa de Évora “toma aspectos de melindroso”, dizia o jornal, considerando ainda que “a forma como o ‘onze’ se comportou levará os seus simpatizantes à descrença, o que será muito grave para o moral do conjunto”. A notícia da morte de Albert Camus, vítima de um acidente de viação ocorrido na manhã dessa segunda-feira, ocupava menos espaço do que o relato do jogo realizado no Estádio 28 de Maio. Tinha sido redigida a partir de informação da Agência France-Press, com um pequeno acrescento relativo à apresentação em Portugal, “dentro de alguns meses”, de uma “adaptação teatral da obra de Dostoiewsky Os Possessos”. Além de uma fotografia do Nobel da Literatura, apresentava-se uma nota biobliográfica breve. A notícia do funeral, dada dois dias depois pelo Diário de Lisboa, intitulava-se “Albert Camus foi conduzido à sepultura pelos aldeões de Lourmarin”. Nesse “lugarejo esquecido”, tinha Albert Camus, “no meio dos olivais e cerejeiras, uma casa de aspecto simultaneamente nobre e rústico”. Segundo o Diário de Lisboa, que mais uma vez tinha a France-Press como fonte noticiosa, “pela manhã, os aldeões de Lourmarin, ainda mal refeitos do espanto e da consternação levaram a enterrar o seu conterrâneo, o seu vizinho ‘senhor Camus’. Raros são os que conhecem a obra do falecido, mas todos eles tiveram ocasião de apreciar a sua lhaneza e bondade”. O diário acrescentava que, “por isso, na hora em que o mundo das letras chora um grande escritor, um grande pensador, os habitantes desta pequena aldeia da Provença recordam um homem sincero, justo e simples que se havia tornado seu amigo”. Sinceridade, justiça e simplicidade são valores que assentam convenientemente a Albert Camus. Mas outros há que muito lhe importavam. Os dois encargos que fazem a grandeza de um escritor, disse ele, no dia 10 de Dezembro de 1957, no discurso de encerramento da cerimónia da atribuição do Nobel da Literatura, são o serviço da verdade e o da liberdade. Ou seja: “a recusa de mentir sobre o que se sabe e a resistência à opressão”. Dois defeitos que nunca foram de Albert Camus, razão por que a sua obra tão bem perdura e porque será proveitosa a sua leitura ou releitura.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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5 janeiro 2020