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Para dormir melhor (6)

1. Quando o leitor pegar neste jornal, saiba que várias pessoas trabalharam, de noite, para que ele fosse composto e impresso e chegasse, agora, às suas mãos. É a realidade socialmente inevitável do trabalho nocturno. E, por muito que ele se possa questionar, por causa dos constrangimentos que provoca no bem-estar e na saúde, há uma certeza que não nos deixa dúvidas: nas actuais condições da organização social, ele é praticamente inevitável, porque há serviços que não podem parar. Por isso é que, segundo a OMS, 20% da população dos países desenvolvidos trabalha no período da noite. Que se entende, então, por trabalho nocturno? A OIT (Organização Internacional do Trabalho), na sua Convenção n.º 171, define trabalho nocturno como “todo e qualquer trabalho que se efectue durante o período de pelo menos 7H consecutivas, compreendendo o intervalo entre a meia-noite e as 5H da manhã”). De modo semelhante, a legislação portuguesa, na Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, artigo 233.º, define o trabalho nocturno como “aquele que é prestado num período que tenha a duração mínima de 7H e máxima de 11H, compreendendo o intervalo entre as 0H e as 5H da manhã”. 2. Apesar de se saber que, nas actuais circunstâncias, o trabalho nocturno é inevitável, há questões que continuam em aberto, como, por exemplo, quais os limites da nossa capacidade de adaptação e de resistência à situação de conflito entre o funcionamento do relógio biológico e o trabalho nocturno; e a advertência da OMS quando, em 2007, apontava, através da Agência Internacional para a Investigação do Cancro, que “a perturbação dos ciclos circadianos, que controlam as nossas funções biológicas, pode ser cancerígena para os humanos”; e, em caso limite, como reverter esse processo. No estado actual da ciência, sabe-se que o trabalho nocturno pode provocar o caos no corpo humano e causar danos ao bem-estar e que, a longo prazo, podem ser agravados, porque o corpo humano segue um ritmo natural próprio com o relógio biológico programado para activar a maioria das funções biológicas durante o dia e desliga-las à noite. Derk-jan Dijk diz que todos os tecidos do corpo têm o seu próprio ritmo durante o dia mas que, se ficarem acordados à noite, perdem a sua sincronia, podendo causar danos, tais como distúrbios do sono, distúrbios gastro-intestinais, agravar em 30% a 50% o risco de doença coronária, alterações no funcionamento dos rins, alterações de humor… e outros problemas psicológicos e sociais. Devido à exposição à luz, durante a noite, o organismo segrega menos melatonina, hormona que, ao preparar o organismo para o sono, participa no controle dos ritmos biológicos. E que esta alteração, conjugada com o cortisol, pode afectar o funcionamento do sistema imunológico, que protege o organismo de riscos de doenças. Para aqueles que não têm escolha de outro trabalho, alguns especialistas aconselham que, em vez de tomar cafés ou comprimidos durante a noite para estar mais despertos, se use uma luz azul suave no trabalho, simulando que é dia e condicionando assim o organismo a estar mais desperto; mas que, ao sair do trabalho, usem óculos escurecidos para simular o anoitecer, estimulando assim o processo de preparação do sono. 3. Ângela Relógio, uma investigadora portuguesa na Universidade de Medicina de Berlim, está a desenvolver um projecto muito interessante dentro do âmbito de como o relógio biológico controla os mecanismos tumorais. Um dos alvos do seu estudo foi o gene RAS, que está relacionado com o aparecimento de certos tumores. Descobriu que basta alterar o RAS para alterar o ciclo circadiano das células, isto é, o ciclo de 24 horas é alterado e os processos celulares passam a acontecer em momentos distintos do que seria normal, produzindo-se uma célula diferente da célula original, que se transforma em célula tumoral e tende a replicar-se rapidamente, dando origem a processos tumorais com células modificadas. O passo seguinte do seu projecto de investigação será tentar perceber como é possível reverter esse processo tumoral, acertando novamente o relógio biológico das células afectadas. O recente trabalho de investigação sobre os processos moleculares e celulares do funcionamento relógio biológico feito por Jeffrey Hal, Michael Rosbash e Michael Young, premiados neste ano pela Academia Sueca com o Prémio Nobel por decifrarem as engrenagens moleculares do processo do relógio biológico, representa mais um passo importante na investigação sobre essas questões que a ciência não pode largar enquanto as não souber resolver. (Nota: o autor não escreve de acordo com o chamado Acordo Ortográfico)
Autor: Manuel Ribeiro Fernandes
DM

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12 novembro 2017