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A perda gestacional um desafio nos cuidados de saúde

A gravidez representa uma experiência única na vida de um casal. É uma época cheia de expectativas, novas vivências e emoções, adaptação a novos papéis. Ao longo da gestação, os pais vão construindo ligações afetivas com o seu bebé. Quando ocorre uma perda gestacional surge uma interrupção súbita, inesperada e violenta destas vivências e desta ligação afetiva, causando aos pais uma dor de difícil superação. 

Quando falamos de perda gestacional, referimo-nos à perda de um bebé em qualquer momento da gestação, designado como aborto se ocorrer até às 20 semanas, ou de morte fetal se for após as 20 semanas. Em Portugal, segundo o INE, foram registadas 326 mortes fetais no ano de 2022, este número não reflete a totalidade das perdas gestacionais. A maioria ocorre antes das 20 semanas, não havendo registos da totalidade dessas ocorrências. 

Sabe-se que as perdas ocorridas no último trimestre de gravidez têm habitualmente um maior impacto emocional nos pais. No entanto, o investimento emocional na gravidez e a vinculação ao bebé não dependem apenas do tempo de gestação. A interrupção de uma gravidez, ainda que nas primeiras semanas, pode originar reações emocionais muito intensas e grande sofrimento psicológico. 

O impacto emocional da perda põe em marcha um processo de luto nos pais e na família. O processo de luto é uma experiência individual e complexa, que envolve emoções, pensamentos e comportamentos. É um processo natural e necessário para lidar com a dor, aceitar a perda e ajustar-se à nova realidade. Segundo alguns autores, é importante ver, tocar e segurar o bebé, atribuir-lhe um nome, tirar fotografias, construir caixinhas onde se podem colocar objetos que lembram o bebé, mesmo que sejam poucos. Estas práticas ajudam a construir memórias que irão reforçar a veracidade da existência do bebé, sendo que, a ausência de memórias é um fator que pode contribuir para complicar o processo de luto. 

Ainda assim, é frequente a perda de um bebé que não chegou a nascer ser desvalorizada pela sociedade e até pelos profissionais de saúde, originando nos pais sentimentos de abandono e incompreensão, prendendo-os num silêncio e isolamento social que pode originar sintomatologia psicopatológica. É fundamental reconhecer e legitimar o luto gestacional, promovendo uma resposta empática e informada por parte dos profissionais de saúde e da rede social envolvente, de forma a permitir aos pais uma vivência mais saudável e um apoio efetivo neste processo. 

Atualmente, existem algumas respostas de apoio na comunidade a pais que sofreram uma perda gestacional, parte delas concebidas por pais após passarem por essa mesma experiência. Ao nível do Serviço Nacional de Saúde, as respostas são ainda insuficientes e as que existem pouco divulgadas. Perante o impacto destas situações, que podem trazer consequências para os pais e todo o sistema familiar, inclusivamente outros filhos, urge investir na criação de respostas articuladas que permitam informar a comunidade e dar resposta às pessoas e às famílias em luto. 

Neste sentido, a Unidade de Cuidados na Comunidade Coração do Minho da ULS de Braga iniciou, em 2024, um projeto de apoio ao luto gestacional dinamizado por duas enfermeiras e dois psicólogos. Este projeto assenta numa parceria entre a ULS de Braga e o Município da Póvoa de Lanhoso. 

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Armando F. Pinho e Sílvia Oliveira

6 junho 2025