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Malas e mandatos

A política da passada semana em Portugal foi dominada pelas malas, cuja furto vem imputado ao deputado açoreano do partido Chega, Manuel Arruda. Segundo veio a público, o antes ignoto e agora famoso, pela negativa, deputado da nação, à noite, e sobretudo ao fim-de-semana, na zona de recolha de bagagem do aeroporto de Lisboa, que quase não tem vigilantes, desde meados de outubro que vinha sendo apanhado nas câmaras de vigilância, na sequência de uma primeira queixa de desaparecimento de uma mala. Os movimentos corporais do deputado mostravam que andava a tentar perceber se não havia por ali funcionários e a escolher os alvos, sobretudo nos tapetes de voos internacionais não Schengen, onde andam às voltas bagagens para ligações, mas também noutros tapetes sem passageiros à espera. Tal comportamento terá durado dois meses e terá furtado 19 malas quando chegava a Lisboa vindo de Ponta Delgada. Pelos vistos, procedia à venda online dos produtos que se encontravam no interior das malas, designadamente da roupa, por modestas quantias, num site por si criado.

Os desenvolvimentos são por demais conhecidos, o assunto foi abertura dos telejornais com entrevistas em direto ao próprio, com desculpas insustentáveis como as das imagens falsas da sua face criadas por IA, inexplicações sobre a razão do apagão do site de vendas, o que levou ao rompimento do partido pelo qual foi eleito e se veio a demitir.

Na semana destes acontecimentos, muito laborioso foi o trabalho parlamentar, como em anteriores. Estando à data disponível o Diário da Assembleia da República de 16 de janeiro de 2025, pode ler-se que o Secretário informou a Câmara de que deram entrada na Mesa e foram admitidas várias iniciativas que a seguir enumera, elencadas em várias páginas. É de todo injusto e contrário à realidade que se passe a imagem de um Parlamento composto de figuras iníquas e inúteis, quando na verdade existem excelentes parlamentares e que, em geral, se faz na AR um profícuo trabalho em prol do dos portugueses. Mas também é certo, que num mundo mediático são mais apelativos para o público estes episódios rocambolescos do que uma prática dedicada e competente. O “panem et circenses” do romano Juvenal, acentuado nos tempos atuais no circo, porque parece que o povo já não carece da doação do pão, como incentivo da plebe a ficar desinteressada na política e a procurar apenas o divertimento e quanto mais ridículo melhor, faz escola ainda nos presentes dias.

Mas a situação de Manuel Arruda levanta uma questão muito séria, sobre a qual os políticos não parecem interessados em se debruçar, talvez porque lhes toque, que é das medidas a tomar para com um deputado que tenha uma conduta tão evidente e censurável, designadamente a suspensão ou a perda de mandato. Deve-se excecionar Marques Mendes, que ainda recentemente afirmou que a AR devia poder suspender o mandato do deputado Miguel Arruda, recordando que há 20 anos propôs como deputado a criação de uma Comissão de Ética com uma "composição senatorial" (ex-Presidentes do Parlamento e ex-Provedores de Justiça) que decidiria em situações de graves violações da ética política. Só que, acrescentou, a ideia infelizmente não vingou, considerando e bem que é pena que, para casos como este, especialmente chocantes e desviantes, a Assembleia da República não tenha um instrumento legal para suspender deputados do exercício de funções. E isto para salvaguarda da própria Instituição, senão fica a ideia que naquela sala cabem todos independentemente da sua seriedade, só porque foram eleitos diretamente pelo povo, não obstante a maior parte deles o ter sido numa lista da qual o seu nome era para a maioria desconhecido. A sugestão do candidato do PSD à Presidência da República poderia completar-se com a possibilidade de recurso da decisão da AR para o Tribunal Constitucional, num processo urgente e com efeitos suspensivos.

Neste dia de aniversário do assassinato de Mahatma Ghandi, que inspirou a comemoração da data, também hoje, do Dia Escolar da Não Violência e da Paz, possa a sociedade e os políticos pugnarem e praticarem os princípios não só da não violência e da paz, mas também da valorização da integridade e da efetiva realização do interesse público. Se a política sem ética é uma vergonha, lembrando Sá Carneiro, conclui-se com Churchill: “A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras”.

Carlos Vilas Boas

Carlos Vilas Boas

30 janeiro 2025