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“Financiamento não reembolsável, muito sério e honesto”

Na passada semana recebi uma mensagem de email que tinha em assunto este título, seguia-se o título: “FMI Financiamentos a fundo perdido/Particulares e Empresas” e depois rematava com o seguinte texto. “O financiamento a fundo perdido é uma forma de subsídio a fundo perdido concedido a qualquer pessoa com um projeto de desenvolvimento pessoal. Na sequência da crise financeira mundial e do abrandamento económico que recentemente afectou todos os países do mundo, o FMI iniciou este projecto com vista a proporcionar uma solução duradoura para a crise financeira mundial. Trata-se de conceder ajudas não reembolsáveis a empresas ou particulares para a realização dos seus diversos projetos de desenvolvimento. O beneficiário não reembolsará a ajuda recebida e é livre de utilizar o montante da sua subvenção como desejar, mas através da realização de um projecto de desenvolvimento. Esta ajuda varia entre os 10.000€ e os 5.000.000€. Se estiver interessado não hesite em contactar-me, obrigado”. Esta mensagem foi enviada a mais 400 pessoas e não é muito diferente de muitas outras que recebo diariamente no meu endereço de email profissional. Pensei com os meus botões que também não deve ser muito diferente dos muitos anzóis, acompanhados do respetivo isco que se apresentam aos peixes que vagueiam pelas águas dos rios e mares deste mundo. Claro que, se o isco for suficientemente bem engendrado, provavelmente o peixe morderá o anzol e o pescador conseguirá atingir o seu objetivo, capturando o peixe.

Não é o caso obviamente. Até porque minutos antes de receber esta, recebera uma exatamente igual, enviada pelo mesmo autor, mas em língua alemã, que já me fizera sorrir vagamente. Embora não domine minimamente o alemão, percebi o conteúdo, e quando recebi esta, confirmou as minhas suspeitas de se tratar de uma tentativa, mal enjeitada, de obter uma resposta do destinatário, tendo em vista a prática de uma qualquer forma de crime informático.

De qualquer forma, acabei por achar a mensagem algo hilariante, mas deixou-me a pensar se haverá “peixes” suficientemente incautos que acabem por morder este isco. De facto, o anúncio por email de financiamentos não reembolsáveis tem alguma graça. Depois surge a redundância do sério e honesto. Será que o seu autor sabe que quando alguém sente necessidade de frisar que é sério e honesto, suscita logo nos destinatários a ideia oposta de falta de seriedade e desonestidade. 

As explicações para a decisão de uma instituição respeitável e conhecida como é o FMI desatar a conceder ajudas não reembolsáveis às pessoas e empresas, cujo montante varia entre os 10.000€ e os 5.000.000€ são verdadeiramente anedóticas e, não fosse de facto existir por trás deste texto, uma mente criminosa que procura arranjar um estratagema para prejudicar terceiros, até acharia alguma piada.

Contudo, esta tentativa de burla, é igual a milhares de outras que circulam pelo mundo cibernético, mais ou menos graves, mais ou menos bem arquitetadas, mas que vão causando prejuízos a terceiros, por vezes prejuízos colossais, como os que resultam do furto de bases de dados de empresas e instituições públicas, do acesso indevido a contas bancárias, da clonagem de cartões de créditos, da obtenção de passwords e outros dados que permitem aceder a contas bancárias, que são depois esvaziadas, do sequestro de sites e plataformas eletrónicas de instituições e empresas, que são encriptados, para impedir o seu acesso aos seus legítimos utilizadores, tendo em vista a obtenção de resgates (ransomware).

A criminalidade informática não para de aumentar. Queremos acreditar que as autoridades estarão atentas, mas cabe fundamentalmente a cada um de nós, prevenir a sua segurança informática, e, da mesma forma que a maior parte das pessoas não acreditam no Pai Natal, sabem também perfeitamente que o FMI não anda por aí a distribuir ajudas “com vista a proporcionar uma solução duradoura para a crise mundial”. De facto, se o FMI, devido a um acesso de loucura dos seus dirigentes decidisse desbaratar os recursos financeiros mundiais, entregando-os a todos os que o solicitassem, aí sim teríamos uma séria crise mundial. A única dúvida que tenho é saber se algum dos 400 destinatários da mensagem que recebi acreditaram no Pai Natal que a enviou.

Fernando Viana

Fernando Viana

18 janeiro 2025