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O prelúdio



 



 

 



 

 



 

No seu livro “The Tempest” (A Tempestade), William Shakespeare tem uma frase marcante que nos ajuda a compreender como o passado influencia o nosso comportamento atual e como ele não deixa de ser um prelúdio do que está para vir: “What’s past is prologue”, o que traduzido em versão livre quer dizer “o que passou é prólogo”. O texto ou o conceito em causa implica perceber, em primeiro lugar, que as ações anteriores moldam o contexto e o curso dos acontecimentos futuros. Se quisermos ser mais objetivos, podíamos olhar para três dimensões de forma distinta, mas complementares, a primeira, do ponto de vista histórico, serve para nos recordar que o passado serve como base sobre a qual o presente e o futuro são construídos; a segunda, baseada no determinismo e no livre-arbítrio, confere aos indivíduos o poder, com base nas suas escolhas presentes, de moldar o futuro. A terceira dimensão, partindo do precedente e continuidade, sugere que estes influenciam as decisões e acontecimentos subsequentes, o que exige conhecer o passado, crucial para a previsão e gestão do futuro”. Ora, aqui chegados, importa explicar o prólogo: os eleitores vão ser confrontados em breve com o passado quando chegar a hora de fazer as suas escolhas e terão o livre arbítrio de, com as suas ações futuras, moldarem o resultado da história. Era isso que o autor inglês nos transmite no seu livro, através das suas personagens, numa analogia que serve de reflexão para os protagonistas da governação e para todos os que se aprontam a ser candidatos às próximas eleições autárquicas. Apesar deste rasto, não é líquido que tudo caiba dentro desta lógica temporal do “The Tempest”, mas não deixa de ser verdade que a tempestade que varre a Democracia exige muito mais do que boas intenções aos candidatos, ou um programa cheio de promessas. Perante perceções erradas e rombos na credibilidade política, os futuros candidatos terão, pela frente, uma tarefa hercúlea, de esbater uma imagem, tantas vezes injusta como errónea sobre o seu comportamento, tanto no passado como no presente. O que fazer nestas circunstâncias é um desafio que exige, sem tibiezas, uma visão clara e disciplinada sobre a ética republicana, como princípio fundamental para a credibilização da ação política. A introdução deste fator será crucial para o comportamento do eleitor nas próximas eleições. Aliás, o alinhamento das políticas de gestão de risco ético com os valores centrais da organização, neste caso de uma câmara municipal, serão cruciais para uma motivação extra do eleitorado na sua ida às urnas. Trata-se de estar munido de um Código de Ética e de ter uma Comissão independente capaz de avaliar, de acordo com os padrões internacionalmente aceites, os riscos e as medidas de mitigação. A eliminação das perceções, tantas vezes erradas, por parte dos cidadãos, é crucial à normalização da vida democrática e à expurga de inverdades ou verdades alternativas que minam os fundamentos da nossa Democracia. Essa é uma batalha essencial que temos de ganhar juntos; não se trata de julgar comportamentos, mas sim de os evitar para que notícias sobre conflitos de interesse, fraude e corrupção, discriminação e assédio sejam eliminados por ações preditivas e não por ações corretivas que, por norma, conduzem os eleitos, para o patamar da suspeição e, em situação nada desejável, aos tribunais. A liderança pelo exemplo, a transparência, o envolvimento dos stakeholders, as auditorias internas, a análise a partir de indicadores de comportamento, a melhoria contínua, a formação e sensibilização e os mecanismos de denúncia, são instrumentos de defesa que, sendo transversais aos programas dos diferentes candidatos, podem e serão com certeza uma fonte para o sucesso da participação nas próximas eleições. Haja coragem e bom senso para o alinhamento das diferentes candidaturas neste que é um dos maiores desafios à nossa Democracia e uma das formas mais eficazes de combater extremismos e falsos argumentos que alimentam aqueles que querem destruir os seus fundamentos. Se assim não for, temo que os resultados espelhem uma autêntica Tempestade política.

Paulo Sousa

Paulo Sousa

12 janeiro 2025