“Depois de ter celebrado na terra os divinos mistérios, partiu para a Liturgia celeste o Padre Sebastião Faria, Sacerdote da Companhia de Jesus e, desde há muitos anos, consultor e colaborador do Secretariado Nacional de Liturgia (SNL)”. Foi assim que, ao findar o dia 28 de dezembro passado, o SNL comunicou o falecimento do Padre Sebastião Faria, SJ.
Nasceu em Areias (Santo Tirso), no dia 23 de janeiro de 1932. Com o irmão Henrique, frequentou os Seminários Diocesanos de Braga, mas a 7 de setembro de 1949 mudou-se para a Companhia de Jesus, ingressando no Convento de Santa Marinha da Costa, em Guimarães. Fez a sua formação filosófica na Faculdade de Filosofia de Braga e a teológica em San Cugat del Vallés (Barcelona), onde foi ordenado sacerdote, no dia 30 de julho de 1962.
Prosseguiu estudos em Roma e tornou-se o primeiro português a defender tese de doutoramento no Instituto Litúrgico do Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, em Roma, no ano de 1970. O título da tese (Natal e Eucaristia: os principais temas teológicos na Liturgia eucarística de Natal segundo o Sacramento Veronense à luz da tradição ocidental) tornou-se ainda mais sugestivo, em virtude do seu falecimento e Missa Exequial terem ocorrerido dentro da Oitava do Natal. Estou em crer que, para quem acredita, não há coincidências, mas sinais!
Regressado a Portugal, assumiu as funções de Diretor da Biblioteca da Faculdade de Filosofia, durante cerca de três décadas. Para além da classificação e indexação de livros, introduziu o costume de indexar também os artigos das revistas. Mais tarde, nos inícios dos anos 90, deu passos decisivos para a informatização da referida Biblioteca. Desempenhou estas funções com competência, empenho e gosto, durante quase três décadas.
No Instituto Superior de Teologia de Braga, mais tarde Faculdade de Teologia, lecionou Liturgia e foi aí que o tive como professor. Não precisei de muito tempo para perceber que, por detrás de um vulto pequeno e franzino, se escondia um grande homem, robusto na fé e nas convicções, assim como um sábio e profundo conhecedor daquilo que ensinava.
Foi na condição de especialista em Liturgia que, juntamente com o confrade Manuel Simões, colaborou com a Comissão Episcopal de Liturgia e depois com o Secretariado Nacional de Liturgia na tradução e revisão dos textos litúrgicos oficiais em língua portuguesa, no âmbito da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. “A sua rara competência de tradutor resulta de três componentes que nele se uniram, como da junção de três ribeiros se forma um rio: esmerada preparação específica em Liturgia, sensibilidade litúrgica e musical de exceção, e uma vastíssima cultura geral” (SNL).
Para além da já referida tese de doutoramento, escreveu diversos artigos e, sob a égide do Secretariado Nacional de Liturgia, publicou o livro A Eucaristia, evocação e celebração do Mistério Pascal. Do muito que nele escreve, realçamos, em jeito de síntese: “segundo a mentalidade da Igreja primitiva, modelada no espírito da oração bíblica, toda a Oração Eucarística é consecratória, toda ela é ação de graças, toda ela é anamnese, toda ela é epiclese, toda ela é doxologia. Daí a importância pastoral que tem o modo de pronunciar esta Oração de ação de graças, e a catequese esclarecida aos fiéis, para que melhor possam celebrar por Cristo, com Cristo e em Cristo, morto e ressuscitado no meio de nós, as maravilhas que Deus continuamente nos oferece na celebração eucarística”.
“Homem discreto, o P. Faria era um apóstolo incansável, amigo dos pobres, a quem levava assiduamente medicamentos e alimentos”, assim se exprimia o Padre Bruno Nobre, SJ, diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais, a 30 de dezembro passado, num mail enviado à comunidade académica. Além do socorro aos pobres, levava também o conforto da oração e da Sagrada Comunhão aos muitos doentes que regularmente visitava, em Soutelo e nas freguesias limítrofes.
As suas exéquias fúnebres decorreram na Capela da Casa da Torre, onde viveu durante cinco décadas. Presidida pelo Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, a celebração da Eucaristia contou com a presença de mais de duas dezenas de sacerdotes e de numerosos leigos. A animação musical – de excelência, refira-se! – esteve a cargo do coro de Palmeira, a que se associaram elementos dos coros de Soutelo e Lage.
Resta-me fazer eco das palavras belas e sentidas que, no final da celebração, foram proferidas pela Conceição Cardoso, em nome do Coro e da Paróquia de Palmeira: “Durante décadas, a sua sabedoria, sensibilidade e rigor na música despoletaram talentos e formaram coralistas capazes de interiorizar, vivenciar e entoar as maravilhas de Deus”. E continuou: “Obrigada, Pe. Sebastião, pelo precioso legado que nos deixa e por todos os ensinamentos que sabiamente nos transmitiu, os quais nos ajudaram a crescer individualmente e em grupo. Continue a reger as nossas vidas, sempre com a sua simplicidade, rigor e exigência, para que todos estejamos unidos nos mesmos acordes e entoemos as mesmas melodias”.
O muito que semeou e o legado que nos deixou já deram muitos frutos, mas estou certo de que, com a sua ajuda, a partir de agora, darão muitos mais.