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Vamo-nos «embriagar» também?

Para muitos, o Natal já deixou de ser a celebração do nascimento de Jesus.

Para muitos, esta época é a «festa do estômago» ou – como circunloquiava o saudoso Vítor Cunha Rego – do «tubo gástrico».


 

A toda a hora, desaguam convites para jantares e espectáculos, não distantes de uma mesa.

Lá se vão ouvindo alguns ecos de uma ou outra melodia natalícia. Mas, após apressados cumprimentos, todos se debruçam sobre «pratos» e «copos». Haverá estômago que aguente?


 

O Advento – antecipado – transformou-se num interminável «festival de compras» e num fatigante desfile de «comidas e bebidas».

No fundo, trata-se de uma réplica amplificada do que acontece no resto do ano. A própria violência – garante a APAV – cresce pelo Natal, tempo de paz.


 

Estudos recentes documentam que mais de metade dos jovens com 18 anos (51%) confessa que já se embriagou.

A maioria incluída nesta percentagem assume que se trata de uma embriaguez ligeira, vulgarmente designada por «ficar alegre». Mas uma parcela significativa não oculta que bebe «até cambalear».


 

É altamente provável que nos próximos dias os episódios de «empaturramento» e «alcoolização» disparem exponencialmente.

A determinada altura, nem é possível qualquer diálogo para lá da qualidade das iguarias e das bebidas. Vamo-nos assim sumindo nesta «orgia de consumo».


 

E, no entanto, que bom seria que nos «embriagássemos» até cair: até cair de comoção, de gratidão e de fraternidade.

Há uma «embriaguez» saudável, serena e sem álcool. É a embriaguez do olhar que pousa os olhos no Menino que nasceu, no Filho que nos foi dado (cf. Is 9, 6).


 

É esta «embriaguez» silenciosa e contemplativa que nos deixa completamente sem chão, apenas devorados pela torrente avassaladora de um Deus que Se faz um de nós.

Ainda seremos capazes de parar, de meditar, de mergulhar na profundidade e no silêncio?


 

Deus-Menino, como sinaliza Tomás Halík, voltará a encontrar «mercados de Natal, concertos de Natal, lojas, casas e ruas festivamente iluminadas, árvores de Natal decoradas nas praças das cidades, por vezes com presépios debaixo delas, mas…encontrará fé»?

Onde falhamos para que as pessoas tenham confundido o Jesus do Evangelho com um carregador de presentes?


 

A alma também precisa de se «embriagar» sem demora, saudando a entrada de Deus na nossa história. 

Que ela não esteja fechada como outrora fechadas estavam as portas em Belém. Pois – perguntava Angelus Silesius – «de que te serviria que Jesus nascesse em Belém se Ele não nascesse na tua alma»?


 

Já basta de correrias e bebedeiras.

«Embriaguemos» a alma na sobriedade da Manjedoura: pela noite fora e em manhãs inteiras!

João António Pinheiro Teixeira

João António Pinheiro Teixeira

3 dezembro 2024