"Quem só conhece um lado do problema sabe pouco sobre ele." John Stuart Mill
Esta máxima pode servir como ponto de partida para a necessidade de uma visão ampla e multifacetada para enfrentar os desafios da saúde em Portugal, onde a pobreza, a precariedade e o subfinanciamento estrutural têm impactos profundos.
Atravessamos uma fase de transição importante, em que doenças consideradas incuráveis começam a ser geridas como doenças crónicas, fruto de avanços científicos e tecnológicos.
Portugal, é sabido, apresenta níveis consideráveis de privação e pobreza, e são as crianças uma das faixas etárias mais afetadas por esta realidade. A falta de recursos repercute-se diretamente na saúde infantil, pelo acesso insuficiente a uma alimentação equilibrada e a cuidados preventivos. Consequentemente traduz-se em vulnerabilidades profundas, que aumentam a incidência de doenças evitáveis, desde infeções respiratórias até doenças cardiovasculares e metabólicas. A incapacidade de prevenir estas doenças evitáveis gera um ciclo oneroso para o sistema de saúde, que vê os seus custos aumentarem drasticamente.
Outro ponto crítico são as consequências da precariedade laboral na saúde física e mental dos trabalhadores portugueses. Em Portugal, a precariedade laboral não é apenas uma questão de baixos salários; é uma questão de saúde. Muitos trabalhadores vivem em precaridade económica e insegurança financeira, o que aumenta os níveis de ansiedade, stress e causa outros transtornos psicológicos, impactando diretamente a sua saúde física. É inegável e, por isso, necessário que a saúde mental seja considerada um componente essencial na abordagem à saúde pública. Uma política de saúde integrada deve contemplar apoio psicológico e acompanhamento emocional, sobretudo para os trabalhadores em condições mais frágeis, reconhecendo que a saúde vai muito para além da ausência de doença.
A precariedade das condições habitacionais é outro fator que não pode ser sonegado. Muitos portugueses vivem em habitações sem condições adequadas de ventilação, aquecimento e higiene. Estas condições aumentam o risco de doenças, designadamente respiratórias e infeções, colocando uma pressão adicional sobre o sistema de saúde. A coordenação entre os setores da habitação e da saúde é essencial para melhorar estas condições e, assim, diminuir o impacto de fatores externos na saúde pública.
Não será ainda despiciendo salientar o necessário controlo da saúde animal, uma dimensão que não pode ser negligenciada numa política de saúde robusta. A saúde humana e animal estão intimamente ligadas, e é necessário assegurar uma vigilância rigorosa para prevenir a transmissão de zoonoses, i.e., doenças que podem passar dos animais para os humanos. Este é um exemplo claro da necessidade de uma abordagem abrangente e integrada, que contemple todos os fatores que influenciam a saúde e a segurança da população.
No capítulo social enfrentamos igualmente dificuldades de resposta à crescente procura de internamentos, necessários para assegurar cuidados prolongados a populações vulneráveis, como idosos e pessoas com doenças crónicas. Sem reforçar a Segurança Social para apoiar estas necessidades, a incapacidade de garantir internamentos para todos os que deles necessitam, comprometerá a recuperação e a qualidade de vida dos mais vulneráveis sobrecarregando, com custos acrescidos, hospitais e instituições de saúde.
Por fim, enfrentar o desafio de modernizar o sistema de saúde com recursos limitados, exige uma inovação pragmática e colaborativa. Incorporar tecnologia digital e inteligência artificial (IA) regenerativa no sistema de saúde é uma solução promissora para fazer mais com menos. A IA pode facilitar diagnósticos mais precisos e reduzir o tempo de resposta dos cuidados, otimizando os recursos humanos e financeiros. No entanto, para que estas tecnologias tenham o impacto desejado, é necessário assegurar que o acesso seja universal e que o sistema de saúde não deixe ninguém de fora. A transição para um modelo de saúde digital também pode ainda contribuir para uma pegada ambiental mais reduzida, promovendo a tão desejada sustentabilidade.
A abordagem sustentável da saúde deve assentar numa cooperação intersectorial e num espírito de diálogo contínuo para se garantir uma resposta coordenada e eficaz que considere todos os fatores – sociais, económicos e ambientais – influenciadores do bem-estar da população. Resolver esta "equação de alto nível de complexidade" requer uma mobilização coletiva e um compromisso com a transparência, a cooperação e a inovação. Esta é uma tarefa urgente e essencial, pois uma sociedade saudável é a base para um Portugal mais justo e resiliente.