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Nós por cá, como de costume



 



 

 

Hesitei em escrever esta crónica sobre o assunto de momento, mas, ao lembrar-me dos motivos que levaram alguns partidos, com assento na Assembleia da República, a avançarem, em junho passado, com a decisão de comemorar os 49 anos do 25 de novembro, não podia deixar de refletir sobre o percurso de uma Revolução que conduziu, em pouco mais de um ano, a que o clima de festa se transformasse num clima de guerrilha institucional e de confronto iminente entre fações militares. Em 2023, a Comissão de Homenagem aos Democratas debateu esta e outras datas: 16 de março, 17 de julho, 28 de setembro - marcas de uma temporalidade política que devem ser analisadas como parte de um percurso da Revolução do 25 de Abril. Não obstante as qualidades que cada um lhe queira atribuir, o que se vai passar amanhã na Assembleia da República tem mais qualidades para dividir do que para ser enobrecido. Cada português fará, se estiver devidamente informado – o que não é fácil – o seu juízo. Nós, por cá, isto é, a Comissão, tendo cumprido antecipadamente a sua função de abertura ao Diálogo com a Democracia, sem excluir temas nem colocando barreiras nem tabus a nenhuma avaliação, prossegue amanhã com aquela que tem sido a sua função: dignificar a Memória, celebrando a Liberdade. A história notável do advogado, Dr José Alberto Rodrigues, desconhecida pela maioria de nós, será recordada pela neta Clara Macedo Cabral, cujo livro retrata a vida de um transmontano que entre o Nordeste a as terras do Minho, foi notável exemplo de oposição ao Estado Novo. Editado pela Caminho, a obra, “Dr Cabaninhas. Uma vida pela Liberdade – enterrem-me na Vertical”, será apresentado pelo Dr Henrique Barreto Nunes, às 18 horas, na Livraria Centésima Página. Amigo de Salgado Zenha, foi candidato pelo círculo de Braga às eleições de 1965 a pedido deste; perdeu o seu lugar de notário em Terras de Bouro, foi preso, esteve a salto, refugiou-se nas minas, acabando por ser defensor jurídico dos direitos dos mineiros. Fez parte do coletivo de advogados que, em Guimarães, esteve na defesa do processo de Goa. Esta descrição sumária das suas qualidades humanas e políticas não fazem jus ao seu percurso pelo que vale a pena ler e ouvir amanhã o que foram anos de investigação da neta, Clara Cabral. A história do Dr Cabaninhas é apenas um exemplo das centenas de mulheres e homens que aos poucos tem visto a luz do dia. É um trabalho exaustivo que tem sido conduzido com muito paciência pelo engenheiro Vítor Louro, membro da Comissão executiva da homenagem aos Democratas do Distrito de Braga. Com o contributo de historiadores, bibliotecários, familiares e cidadãos sensíveis e preocupados, tem sido possível trazer à liça as suas biografias. Até agora, a informação está alojada no site da comissão. Falta cumprir, porém, o desígnio de criar logo que possível um Centro de Resistência do Minho, um espaço que não precisa de pompa e circunstância, mas apenas de condições para que aí se possam guardar e salvaguardar as memórias dos 48 anos de oposição ao Estado Novo no distrito de Braga, aberto a visitas e consultas. Trabalho que pode e deve ser completado com o Dicionário da Resistência no Minho, a partir das obras já escritas pelos investigadores em torno do quer foi a oposição no Minho. Quando acontecerá, não sei. Mas continuarei aqui e em outros lugares a desafiar quem de direito a dar o passo que falta. Sem memória não há sentido do tempo nem do espaço construído pelas mulheres e pelos homens. Sem memória, as comemorações tornam-se datas e as datas são efemérides, perdem sal e sem tempero perdem-se na infinitude dos calendários. Recorde-se, celebre-se comemore-se as datas que cada um quiser. Esse é o significado maior da Democracia. Esquecer é que é imperdoável. E nós, em Portugal, esquecemo-nos ao longo dos 50 em Democracia de todas e todos aqueles que anonimamente, foram um exemplo de coragem e de orgulho para o Portugal que somos hoje como é o caso do Dr Cabaninhas que vamos conhecer melhor amanhã. Até lá.

Paulo Sousa

Paulo Sousa

24 novembro 2024