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Cem anos a formar...

 

Começou na passada quarta-feira, dia 14 de novembro, continuou no dia de ontem e vai estender-se ao longo de um ano, a celebração do centenário do Seminário de Nossa Senhora da Conceição (é ela a sua Padroeira) ou Seminário Menor, assim chamado em virtude da idade dos seminaristas que o frequentam1.

Depois de já terem existido experiências de um seminário para os mais novos, pelo menos em finais do século XIX, com o arcebispo D. João Crisóstomo de Amorim Pessoa, a criação do Seminário de Nossa Senhora da Conceição, com a explícita finalidade de ser Seminário Menor, foi obra do então arcebispo de Braga, D. Manuel Vieira de Matos (1861-1932). Nascia assim uma casa destinada a adolescentes com o horizonte da vocação sacerdotal, cuja finalidade era robustecer a formação dos presbíteros da Igreja bracarense. 

Numa nota enviada à imprensa, a Comissão Organizadora deste evento (Arquidiocese de Braga, Direção do Seminário e ASSASB - Associação dos Antigos Alunos dos Seminários de Braga) refere que “a abertura deste seminário aconteceu em 1924, num período em que ainda se sentia a onda de anticlericalismo criado com a implantação da república e que conduziu à nacionalização dos bens da Igreja e ao fim do ensino por religiosos nas escolas oficiais”. Desde então, passaram-se cem anos a formar cerca de 10000 adolescentes, dos quais 1500 se tornaram sacerdotes. Sou um destes e posso testemunhar o quanto devo a esta instituição.

Tive o primeiro contacto com esta casa e com os seus formadores na segunda quinzena de julho de 1978, com 9 anos de idade, por altura do estágio de admissão. Foram dias de encanto e de descoberta que me abriram as portas a cinco anos aí passados, entre 7 de outubro de 1978 e o dia 31 de julho de 1983. Se, à época, o ano letivo começava invariavelmente no dia 7 de outubro, o último exame do 9º ano2 só aconteceu no último dia do mês de julho.

À parte alguns momentos menos bons, que os há em todas os lugares e circunstâncias, guardo do Seminário Menor e de alguns dos seus formadores3 as melhores e as mais gratas recordações. Eis-me, por isso, a fazer memória delas, por ocasião de data tão memorável. 

Numa casa que tinha, à época, mais de trezentos alunos (o meu número de roupa era o 291!) e onde as deslocações pelos corredores eram feitas em duas filas indianas paralelas (“a forma”), a rotina diária começava cedo, contemplava a oração (de manhã e ao fim da tarde, pelo menos), as aulas, as refeições (a alimentação oscilava entre o bom e o menos bom, mas sempre em abundância) e o recreio, assim chamávamos nós aos tempos livres, passados a jogar beto, futebol, pingue-pong ou matraquilhos. Os banhos aconteciam duas vezes por semana, nuns balneários enormes onde a água era ou demasiado quente ou quase fria. A circunstância era aproveitada para soltar uns impropérios e uns berros que se diluíam no anonimato de vozes disfarçadas. 

Se o fim de semana e mais concretamente o passeio do domingo, à tarde, era um momento para quebrar a rotina, de vez em quando, essa quebra era mais significativa: as idas a casa, o Magusto no Sameiro (em data variável, mas sempre por altura do S. Martinho), a Festa das Famílias (8 de dezembro) e, de vez em quando, uma sessão de cinema, uma tertúlia ou um concurso de poesia, por altura do S. José. Foi para mim um momento ímpar ter ganho, em 1983, o 1.º prémio, na categoria de soneto. Este feito e as aulas do poeta Padre Joaquim Alves despertaram em mim o gosto pela poesia, em particular, e pela literatura, em geral. 

Muito devo ao Seminário Menor: aí tomei contacto com as ciências do mundo e de Deus. Aprendi a estudar (a organização do dia contemplava, no mínimo, quatro horas de estudo), ganhei gosto pela leitura (nas férias, li dezenas de romances e de obras poéticas) e pela música (aprendi a cantar e a tocar piano). Com limitações, umas próprias da época, outras advindas da sua condição de internato, o Seminário Menor ajudou-me a crescer fisicamente (estava na idade disso) e sobretudo cultural e espiritualmente. É por isso que, quando entro naquela casa, me assaltam sentimentos que oscilam entre a saudade e a gratidão. 

Foram aos milhares os que passaram pela mesma experiência e disso muito beneficiou a sociedade e a Igreja. Obrigado, Seminário Menor! Devemos-te, em boa parte, aquilo que somos. Parabéns, Seminário Menor! É bem merecida a homenagem que agora te prestamos. O anúncio de que, dentro de dois anos, serás reconfigurado não anula a tua história nem retira brilho ao teu passado. 


 


 

1 Por correlação, a instituição que forma os seminaristas mais crescidos é chamada de Seminário Maior.

2 As aulas eram no próprio seminário, mas, no 9º ano, fazíamos os exames no liceu Dona Maria II. 

3 Dos prefeitos, a melhor recordação é a do Padre António Ferreira da Costa. Foi ele que pagou o selo da primeira carta que escrevi para casa e me ensinou a canção “Um dia, uma criança me parou”, do Padre Zézinho. Dos professores, a mais grata recordação vai para o Padre António Gomes Ferreira, secretário e professor de Matemática. No fim do primeiro trimestre do 7º ano, andando eu desanimado pelo facto de ter negativa na sua matéria, prometeu-me um 16 se, no trimestre seguinte, atingisse os 10 valores. Foi tal a motivação que essa promessa me deu que, nesse trimestre, tive média de 18 a Matemática e lá perto em quase todas as outras matérias. Obrigado, Padre António, por me ter ajudado a descobrir a beleza e a utilidade do estudo. 

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

18 novembro 2024