No dia 14 de novembro celebrou o Seminário diocesano de N. Senhora da Conceição, Braga, o seu centenário. Fundado por D. Manuel de Matos, por lá passaram mais de 10.000 alunos, num tempo em que havia poucos liceus ou escolas secundárias, e muitos ficavam pela primaria nas aldeias.
Ao longo dos anos foi-se renovando a pedagogia e dele saíram menos de 5% de sacerdotes, porque a maior parte, oriundos de freguesias do Minho, embora com germes vocacionais, o procuravam mais pela qualidade dos estudos do que pelo objetivo sacerdotal. Seja como for, deu à sociedade homens cultos, hoje alcandorados em postos na sociedade civil, e muitos de formação sólida, humana e cristã, como bons pais de família. Hoje, com a proliferação das escolas e democratização do ensino, estão desertos: vive-se mais de alguns que chegam para o pré-seminário, e adultos -alguns com formação universitária-, que se destinam mais à vida sacerdotal. Nunca a sociedade agradeceu à Igreja a formação de tantos formados a expensas da família, sem receberem nada do Estado…
É verdade. Fui um dos formadores nesses tempos. Talvez a época mais alegre e feliz da minha vida, hoje também com estudos civis universitários de Portugal e do estrangeiro.
Não há padres… Depois de nos atirarem ao rosto muitos pecados, reais e imaginários, sente-se a necessidade deles.
Homens com virtudes desenvolvidas e defeitos atenuados, são fruto de famílias cristãs, hoje filhos de um deserto demográfico, que não oferece os seus rebentos, nem compreende a infecundidade, pelas exigências do celibato eclesiástico. Deus chama, mas a resposta é pouca; bem diferente de outros tempos, embora muitos ficassem pelo caminho…
Gostaria de recordar uma obra de Paul Claudel L,Annonce Faite a Marie, uma obra maravilhosa que a Comédie Française apresentou a Pio XII: É a historia de Violeta, uma menina feliz, de olhos azuis, cabelos loiros , voz simbolicamente branca, que vive um sonho de amor com o seu prometido, Santiago. Na diegese de Violeta só há uma recordação amarga: Pedro de Craón – um construtor de catedrais, pois a obra passa-se na Idade Média- o qual desejou violá-la quando era criança. Embora tenha resistido, a dor instalou-se no coração de Violeta. Quando o começa a esquecer, e está quase a casar-se com Santiago, regressa, como fugitivo, Pedro Craón, que contraíra a lepra e é rejeitado por todos. Violeta, num rompante de caridade e com sinal de perdão, saúda-o com um beijo na fronte. Mara, a irmã invejosa, ciumenta e também ela enamorada de Santiago, corre a contar que viu Violeta “beijar” Pedro. E embora Santiago não queira acreditar, a prova lá está: Violeta ficou contagiada pela lepra. Terá de abandonar o seu amor e refugiar-se na montanha , como faziam os leprosos da época.
Passaram anos. Violeta é já um cadáver ambulante; a lepra comeu até os seus lindos olhos azuis. Ficou cega, e Mara entretanto casou com Santiago, do qual tem uma menina, de olhos negros chamada Albana. Um dia, estando Santiago ausente, Mara encontra a filha morta. É dia de Natal! Corre então á montanha para pedir, exigir à sua irmã que lhe ressuscite a filha, pois para que serve toda a sua santidade e virtude, se não é capaz de fazer um milagre?!
Violeta , à força, pega o cadáver da pequena nos braços, e cobre-a com o seu manto andrajoso. Tocam os sinos de Natal. De um convento próximo, chega o canto de uma monja: Puer natus est nobis! (um menino nasceu para nós) Tudo respira a Belém e a nascimento. Nas mãos de Violeta algo se move sob o manto.
Quando Mara recupera o corpo – já vivo – da filha, descobre que os milagres são dois: a filha ressuscitou e agora tem olhos azuis. E que a verdadeira mãe da sua alma não é ela, mas Violeta que foi, deste modo, fecunda no seu coração. (Cit. Jose Luis Descalzo, Razões para o amor).
Deus é contagioso, felizmente, mas esquecido. Há certas apostas por Ele que levam a renúncias e sacrifícios. De renuncia à paternidade , mas não a fecundidade: pode não se gerar filhos da carne, corpos, mas pode compensá-la por filhos da alma, por vezes ,mais difícil, mas gratificante.
Será esta a preocupação de religiosas e de todos os sacerdotes e candidatos ao sacerdócio, dar à luz não corpos, mas gotas de alegria, uma respiração de fé, um halo de esperança, num mundo tão contraditório, ébrio de seios, mas estéril?!...