Eram 7h27m (hora de Lisboa) da manhã de ontem, ainda antes dos resultados oficiais, quando Donald Trump iniciou o seu discurso de vitória como presidente eleito dos EUA. Trump will fix it (Trump vai consertar isto) lia-se na plataforma onde também saudou Melania com o retorno a primeira dama e Vance como vice-presidente. Desta vez, para além da superioridade no Colégio Eleitoral, terá ainda obtido maior número dos chamados votos populares, ao contrário de 2016 quando ganhou a Hillary Clinton.
“Senti algo… mais forte do que nunca”, proferiu o presidente dos EUA Joe Biden após a sua passagem por Kiev em fevereiro de 2023, depois da visita de solidariedade ao homólogo ucraniano Zelensky, no momento em que as sirenes soavam, no sentido do seu discurso de vitória de há quatro anos atrás, quando bradou à multidão de apoiantes: “Esta noite o mundo inteiro está olhando para a América, a América é um farol para o mundo, nós vamos liderar não apenas pelo exemplo do nosso poder, mas também pelo poder do nosso exemplo”. A importância das eleições da passada terça-feira deixou em suspenso o mundo para ver quem assumiria o autoproclamado farol, se o americanismo de Trump, se a continuidade da política de apoio internacional, incluindo na guerra ucraniana, o globalismo de Harris.
A BBC online da semana passada debateu as perspetivas para o planeta pós-eleições, dependendo de quem saísse vitorioso. A realidade é que a influência global do EUA não é tão evidente como a frase de Biden pretende evidenciar. À queda do império soviético seguiu-se a crescente emergência da China como potência mundial. Não admira que Trump a considera o único rival, desvalorizando a Rússia e o impacto da guerra na Ucrânia. Por outro lado, as potências regionais estão a percorrer o seu próprio caminho e a guerra devastadora e descontrolada em Gaza está a levantar questões incómodas sobre o real valor da preponderância de Washington. Os EUA continuam a ser o ator internacional com maior importância em questões de paz e segurança, diz Comfort Erp, presidente do International Crisis Group, mas advertindo que que o seu poder para ajudar a resolver conflitos está diminuído.
Na avaliação dos candidatos, Rose Gottemoeller, antiga secretária-geral adjunta da NATO, não poupa nas palavras sobre Donald, considerando-o o pesadelo da Europa, com ecos da sua ameaça de retirada da Nato nos ouvidos de todos. Todavia, caso vencesse, a equipa de Harris na casa Branca teria de governar com o Senado ou a Câmara de Representantes que poderiam estar em breve nas mãos dos republicanos – facto que viria a confirmar-se - menos inclinados a apoiar guerras estrangeiras. Certo é o aumento da pressão sobre Kiev para sair honrosamente da guerra, à medida que os legisladores americanos se tornam cada vez mais relutantes em aprovar enormes pacotes de ajudas.
A eleição de Trump constituiria o maior choque para a economia global em décadas, revela a importante académica chinesa Rana Mitter quanto às tarifas de 60% propostas por ele sobre todos os produtos chineses importados e nos aumentos das taxas dos produtos importados da Europa. Mas os líderes da China acreditam que tanto Harris como Trump seriam duros como negociadores, havendo mesmo uma minoria significativa que vê Trump como um empresário cuja imprevisibilidade pode significar um grande acordo com a China, por mais improvável que isso agora pareça.
Em Portugal, em particular, o orçamento para 2025 que ainda nem sequer foi aprovado na especialidade, fica suscetível de tornar necessário a sua retificação: se a América trumpista renunciar ao seu apoio à Ucrânia ou diminuir substancialmente as dotações, toda a Europa será chamada a reforçar financeiramente a sua contribuição, da qual o país não se poderá alhear; o aumento das tarifas alfandegárias, face à importância relativa do peso das exportações para os Estados Unidos, terá impacto no PIB.
Se o mundo fica mais perigoso com Trump, é quase unânime que sim. Mas ele é frequentemente contraditório. Se quanto à Palestina declarou que é hora de voltar à paz e parar de matar pessoas, também terá dito a Netanyahu para fazer o que tiver que fazer. E não é despiciendo recordar que as guerras mais relevantes que estão em curso – Na Ucrânia e em Israel / Faixa de Gaza – tiveram início no mandato de Biden. Veremos em que consiste a promessa eleitoral de Trump em acabar com elas em curto prazo.