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Um dia para evocar os nossos maiores

Começo o texto de hoje a enunciar uma festa religiosa, mas para falar de uma proposta para comemorar e evocar os nossos maiores na cidadania e na política.

Na última semana a comunidade católica comemorou o Dia de Todos-os-Santos, um dia em que se recordam aqueles que inspiraram e inspiram uma vida de princípios e valores em conformidade com o Evangelho, um dia em que reflecte sobre a vida e a obra de muitos dos que se desprenderam de alguns dos seus sonhos pessoais e se entregaram a causas que não eram as suas, que eram de outros. Sendo ricos, tornaram-se pobres; podendo viver na tranquilidade, correram riscos e foram objecto de perseguição; e outras virtudes de humanidade e espiritualidade. Exemplos difíceis de replicar, ainda que não impossíveis! O primeiro dia de Novembro é uma festa que reúne inúmeros rostos e nomes que marcaram o tempo da sua existência terrena e hoje continuam a influenciar as trajectórias dos que se dispõem a estudá-los e a seguir-lhes as pegadas. Os santos não eram seguramente perfeitos – quem sou eu para ajuizar isso? -, tinham fraquezas e defeitos como o comum dos mortais, não realizaram prodígios, mas distinguiram-se pela sua teimosia e determinação em seguir os planos de Deus. Eram eficazes na sua acção, devotos e determinados na sua vocação. Como li num comentário dos padres Dehonianos, a propósito da Solenidade de Todos-os-Santos, os santos foram “peregrinos do quotidiano” que, em comum, pode dizer-se, tiveram Jesus como referência, o que significou terem de viver uma vida em sentido contrário às suas ideias e preferências e de se colocarem ao serviço dos outros, tendo implicado decisões duras e difíceis para as suas vidas. Viver as bem-aventuranças marcou-lhes a vida e naturalmente também a vida daqueles com quem se cruzaram. O seu exemplo marca a existência de muitos nos dias de hoje. Afirmando as suas convicções, ainda que em contra-corrente às ideias e aos comportamentos do seu tempo, deixaram um caminho para quem o desejar percorrer, um legado de alegria e testemunho ímpares.

Nas cidades e aldeias do nosso país há-de haver, certamente, quem mereça a distinção entre os seus pares e se tenham constituído exemplo de verdadeira cidadania, homens e mulheres que representaram o país e as autarquias locais de forma impoluta. Não será que faz sentido comemorarmos isso como comunidade? É verdade que já existe o Dia de Camões, dos Portugueses e das Comunidades, já se comemora a implantação da República e a Restauração, o 25 de Abril e o 25 de Novembro. Mas, faz falta celebra todos aqueles que marcaram indelevelmente o destino do país e desempenharam exemplarmente a sua função ao serviço dos portugueses do seu tempo e que se não aproveitaram do cargo. Seria um dia de reflexão cívica e de tomar em devida conta os bons exemplos, os legados positivos, como tema de conversa e procurar segui-los. Numa lógica de poder, servir sem ser servido, é seguramente raro, mas pode haver evidências do contrário, sendo que aflorar os casos marcantes será sempre motivo de comemoração. Ter tido a coragem de resistir à corrupção é virtude de que alguns terão sido capazes. Comprometer-se com a paz em vez de fomentar a intriga e empolar as divergências entre partidários políticos é outra das bem-aventuranças de que a actividade política carece.

Na procura da santidade, como na vida civil e política, o caminho é estreito e a subida íngreme. Recorrer aos bons exemplos pode ajudar a aliviar o fardo, ainda que possa continuar pesado. A democracia não é perfeita, mas pode ser melhor.

Luís Martins

Luís Martins

5 novembro 2024