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«Deixem os vossos egos à porta»

A causa era meritória e o propósito estupendo. A sua execução é que não se adivinhava fácil.

Quem não se recorda do resultado? O que poucos saberão foi o que se passou nos bastidores.

Estávamos em 1985. Como hoje, eram muitas as crianças – e não só – que sofriam (e morriam) de fome, de doença e nas guerras.

Muitos foram os que muito fizeram. Tratava-se de combater as tragédias e de apoiar as suas vítimas.

Já naquela altura, não faltava dinheiro para matar a vida; o que faltava era dinheiro para matar a fome.

Foi então que passou pela cabeça de  Harry Belafonte gravar um disco com a participação dos nomes mais sonantes da música. Era uma forma de atrair a atenção do público e a consequente angariação de fundos.

A canção foi composta por Lionel Richie e Michael Jackson. Mas a intenção era que ela fosse entoada pelo maior número possível dos intérpretes mais populares.

Foi possível 7juntar 46 nomes que entraram no estúdio a 28 de Janeiro de 1985. Entre tantos outros, contavam-se Stevie Wonder, Bruce Springsteen, Ray Charles, Diana Ross, Tina Turner e Bob Dylan.

Acontece que, como é compreensível, só a 21 dos 46 disponíveis foi dada oportunidade de fazer solos.

Os restantes – apesar das suas aplaudidas carreiras – participariam no comum refrão.

Antecipando algum melindre — numa constelação de «estrelas», é natural que cada uma se considerasse a maior —, houve (Quincy Jones) quem se lembrasse de deixar um cartaz à porta.

O cartaz, inevitavelmente avistado por todos, trazia um aviso: «Deixem os vossos egos à porta».

O importante não era cada um brilhar por si, mas contribuir em coro para salvar vidas.

Como seria de esperar, ainda se registou uma recusa e também não faltou quem depreciasse a composição, alegando que não tinha suficiente qualidade.

Mas no geral a recomendação, ínsita no cartaz, surtiu efeito. Os egos ficaram mesmo à porta. A gravação fez-se. O disco («We Are The World»)  saiu. E o almejado dinheiro multiplicou-se.

Calcula-se que o total obtido já tenha ultrapassado os 55 milhões de euros. 

A fome não terminou. Mas foi um auxílio considerável. E – não menos relevante – um exemplo excepcional.

Quando deixamos os egos à porta, todas as portas se abrem. Até as portas do que parece impossível.

Aliás, já António Macedo vincava que, «sozinhos, não somos nada». O mais talentoso ainda tem muito para aprender. E, mesmo que não o pretenda, o mais humilde também tem bastante para ensinar. 

Deixemos, então, os egos à porta. A fim de, por ela, entrarem os nossos irmãos. Juntos, faremos melhor. E conseguiremos (muito) mais!

João António Pinheiro Teixeira

João António Pinheiro Teixeira

5 novembro 2024