A transformação digital na União Europeia corre o risco de deixar milhões de cidadãos de fora do plano previsto na última Cimeira europeia da Democracia digital. Por muitas boas que sejam as intenções, a Comissão não consegue dar resposta à pergunta que se coloca de momento: como responder à ausência de uma ligação sustentável entre digitalização e democracia, ou melhor, como impedir que se reduza o espaço cívico e pluralista? Em outubro passado (dia 11), estas questões estiveram em cima da mesa e entre os palestrantes da Cúpula da Democracia digital, Assya Kavrakova, diretora executiva da ECAS- European Citizen Action Service, colocou o dedo na ferida ao falar da necessidade de encontrar o “elo perdido” entre digitalização e Democracia. Não é uma questão de dinheiro nem de falta de vontade; é mesmo uma fraqueza do sistema e do emaranhado de políticas locais que criam dificuldades à prossecução de objetivos que deviam ser massivamente implementados de forma coerente e na base de uma política de inclusão, feita a uma só velocidade e não a várias conforme se percebe dos diferentes indicadores utilizados para cada país. A Democracia Digital, conforme preconizada pela Comissão, está numa fase embrionária no que toca ao processo de gestão de proximidade entre governos e cidadãos. O uso de tecnologias de informação e de comunicação por si só não representa um salto qualitativo quando milhões de cidadãos continuam a ter dificuldade a aceder “on line on time” a serviços do Estado. Apesar de estarem definidos timing’s para que as políticas de ICT- Information and Communication Techology, sejam implementadas, há pontos fracos como o incremento e a falta de eficiência na interação entre os cidadãos e governantes. Esta dificuldade varre as quatro políticas da Democracia Digital: E-Government, E-Transparency; EParticipation e E- Voting/E-elections. A primeira visa melhorar o uso da tecnologia para melhorar a administração e os serviços prestados ao cidadão; a segunda destina-se a garantir o acesso online de informação e a melhorar a transparência de quem governa; a terceira tem o foco na abertura à participação dos cidadãos nas decisões, na sua auscultação e na co-criação de políticas com os seus representantes e por fim, a permissão para que os cidadãos possam usar o voto eletrónico. Os resultados esperados devem conduzir a maior acessibilidade, a maior inclusão e a mais transparência. A participação mais incisiva e da qual resulte a efetiva participação cidadã, é o calcanhar de Aquiles da visão política sobre uma das matérias mais sensíveis na atualidade europeia, desde logo na oportunidade realista de cada um poder impactar na conceção das políticas e processos legislativos e no feed-back sobre as suas propostas e o que pretendem os governos fazer ou não fazer, justificando as suas opções. Do mesmo modo se espera a criação de novos mecanismos e canais que assegurem este envolvimento, desde logo nos orçamentos e uma política legislativa que assegure políticas digitais transversais. A exploração de oportunidades para acelerar as condições do voto eletrónico nas próximas eleições europeias está no horizonte destas medidas enunciadas a que se junta a qualidade da acessibilidade de acesso à Internet, o que sabemos, estar longe de ser assegurada de forma igual em todo o espaço europeu. Quem acompanha e está atento ao que se passa no terreno percebe a distância e o “divórcio” existente entre eleitos e eleitores e que os primeiros só atuam quando não conseguem ir mais longe na sua lógica de gerir expectativas e de conseguir, assim, adiar ou pelo menos impedir a assunção de uma nova visão que vai para além da outorga do voto. Esse tempo não é de hoje nem de amanhã. É passado e representa uma certa visão musculada da Democracia em que os eleitos são os capazes e os eleitores um mal necessário. Esta ausência ou “elo perdido” está a conduzir a Europa, em particular e o mundo em geral para a perigosa disponibilidade de nos tornarmos vítimas da Algocracia, muito bem explicada, aliás, por Luís Pedro Nunes, no jornal Expresso e de que falarei num dos próximos artigos.