É muito complexa a crónica do extremo esquerdo do Crescente Fértil (ou daquilo a que os cristãos denominam de “Terra Santa”). A miríade de Povos que lutaram por, e ocuparam, essa estreita, mas capital, faixa de terreno (sobretudo para o comércio), faz da mesma uma das mais ricas zonas em eventos na história.
No século XIX, crescem as pretensões da fundação de um Estado Judaico em tal lugar, o qual era a Terra ancestral dos Israelitas e Judeus (por sinal o único território a que estoutros chamaram de “a nossa terra” ou de “a terra de Israel”). Nos começos do século XX, e para terem mais habitantes nesse local, começam a surgir migrações para aí de judeus e (por razões análogas) de muçulmanos. Surgem, assim, tensões religiosas e políticas, que fizeram desse território um espaço amassado, rasgado, esticado por diversos elementos.
Estes elementos, para justificarem as suas posições – umas mais válidas do que outras –, começaram a veicular slogans fáceis de decorar, como forma de instilarem o ódio contra os opositores ou de chamarem a si novos partidários. Um desses slogans era, e ainda é, o mito que o Cristianismo primitivo nasceu na Palestina e que até Jesus era, etnicamente falando, um palestiniano.
Pois bem, será que Viriato, a ter nascido (como parece ser o caso) em território que hoje é geograficamente Portugal, foi português? A resposta é clara: “não”. De modo similar, temos que nos questionar se a Igreja-Mãe do Cristianismo (Jerusalém) surgiu numa área geográfica que se denominava “Palestina”. Mas aqui o caso é mais complexo.
Na verdade, originalmente a palavra Palestina (já referida por Heródoto no século V a.C.) surge de povos vizinhos da Terra Santa apenas para denominar “estrangeiros” – provavelmente vindos até esse local pelo Mar e adquirindo o nome de Filisteus (retratados na Bíblia como ferozes adversários do Povo de Israel aquando da implementação destes na Terra Prometida). Ou seja: palavras análogas a “Palestina” só surgem de modo muito indireto e para traduzirem a “Terra dos Estrangeiros”, a qual passará, depois, a ser a “Terra dos Filisteus”.
No tempo da Igreja Primitiva e durante todo o primeiro século da era cristã, não houve a mais pequena faixa de terreno a que se chamasse “Filistina”. Jerusalém situava-se numa zona do Império Romano intitulada “Judeia” (onde estava Belém), tendo: a Norte, a Samaria e depois a Galileia (com o vilarejo de Nazaré), a Este e Norte da qual se localizava a Fenícia; a Nordeste, a Síria; a Este, a Decápole e a Pereia; a Sul, a Idumeia; e, por fim, a Nabateia a Sudeste.
Assim sendo, ninguém no primeiro século falaria em “Palestina” ou em ser “Palestiniano”. Só quando, em 135 e no fim da Terceira Guerra Judaico-Romana (comandada, do lado judaico, por Bar-Kokhba), os Romanos, para humilharem os judeus com a evocação dos seus grandes adversários, passaram a chamar a tal território de “Palestina” (posteriormente anexado à Síria e conhecido como “Siro-palestina”).
Em suma: nem Jesus, nem o Cristianismo primitivo, nem a Igreja-Mãe deste surgiram na “Palestina”. Afirmar o contrário é um mito e uma ignorância da história, mais ainda quando se afirma que alguma vez a “palestina” designou algo mais do que um terreno, como, por exemplo, um povo ou uma etnicidade.