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O triângulo escaleno da política portuguesa

Há um actor político que, de vez em quando, intervém para acertar os ângulos a um, a outro ou aos três. Mas, isso, sem alterar a representatividade – nem podia! –, ainda que pressione e condicione os líderes. Depois da última intervenção, a pressão ficou do lado de Montenegro e da coligação que encabeça. Da forma como foi colocada a coisa, acredito que o primeiro-ministro não tem grande alternativa, a atender a declarações feitas por si próprio e pelo do líder do maior partido da oposição, a não ser ceder a todo o pano. Vai ter mesmo que desistir do IRS Jovem e do IRC e de fazer ajustes ao seu programa de governo, em vez de exigir que seja o programa dos outros lados a sofrer alterações. É verdade, irá perder uma parte da face, mas não perderá o resto. E talvez seja a primeira vez que um governo minoritário vai ter de ceder tanto e se conformar com a vontade da maioria para que se salve o país. São as contingências da vida política que iniciou legislatura há tão pouco tempo. É verdade que é o Governo que governa e que talvez a proposta que lhe foi apresentada pela oposição maior seja “radical e inflexível”, mas esticados os lados, vai ter que ser Montenegro a decidir se aceita ou prefere ir a eleições antecipadas. Em todo o caso, haverá sempre um terceiro lado que poderá segurar um dos vértices.

No contexto de uma minoria que governa, o Orçamento não é apenas uma questão aritmética. Não basta alinhar a despesa com a receita estimada e preparar um relatório enquadrador. Não se trata só de distribuir as dezenas de milhões de euros pelas opções políticas. É também uma questão de geometria. Há que convencer mais ou menos parlamentares de que a proposta é boa e que merece ser aprovada, dar o braço a torcer e ceder. A aprovação do documento precisa sempre de uma maioria, ainda que esta não se limite à soma aritmética de braços no ar de quem vota a favor, de quem vota contra e se abstém. É muito mais complicado do que isso. Há toda uma geometria a considerar a montante e que condiciona significativamente mais do que a aritmética. O Presidente já disse, em jeito de pressão, que é mais importante o País do que o programa do Governo. Disse tudo, isto é, que ao Governo só lhe resta ceder perante o posicionamento do Partido Socialista e a circunstância da Aliança Democrática ser minoritária, quase tanto como o maior partido da oposição.

Não me recordo de ter havido um Orçamento que fosse absolutamente exclusivo dum partido ou duma coligação de Governo. Nunca houve um dono exclusivo de um Orçamento. Todos os Executivos têm cedido a alterações mais ou menos importantes, por sentido democrático ou para verem o documento aprovado. Não há razões para que desta vez seja diferente, ainda que as matérias em discussão sejam consideradas críticas e tenham feito parte do programa eleitoral de quem governa. Expectantes e ansiosos, os portugueses perceberão melhor que o Governo recue na sua determinação em cumprir o seu programa eleitoral do que não o fazer e isso se traduzir em eleições antecipadas. Note-se que o Partido Socialista, pela voz do seu secretário-geral, não se limitou a recusar as medidas emblemáticas do Governo (IRS Jovem e IRC), mas apresentou outras propostas, como um aumento extraordinário pensões mais baixas e um regime de exclusividade no Sistema Nacional de Saúde (SNS).

Um dos lados tem que ceder para que não haja uma crise política. Bem pode o PSD continuar a pedir recato e sentido de Estado, mas o que parece é que o PS não vai abdicar das suas linhas vermelhas. Perante o braço de ferro, ou Governo recua ou então não vai haver equilíbrio no triângulo. O PS tem mais a perder se alterar o seu posicionamento do que o PSD/AD e o Governo se aceitarem as condições daquele. Se os dois lados do triângulo não se acertarem, o terceiro dos lados vai ser decisivo na geometria.

Luís Martins

Luís Martins

1 outubro 2024