Espera e age com a criação é o título da Mensagem do Papa Francisco para o Dia de Oração pelo Cuidado da Criação. Esta efeméride celebrou-se no passado dia 1 de setembro e assinalou o começo do Tempo da Criação que se estende até ao próximo dia 4 de outubro, memória litúrgica de S. Francisco de Assis. Nesta época do ano, a Igreja Católica e as demais Igrejas Cristãs mobilizam-se para rezar e refletir sobre o cuidado da casa comum. Assim se compreende a intenção do Papa para este tempo: Rezemos pelo grito da terra1.
Inspirado em Rm 8, 19-25 e depois de uma reflexão inicial sobre a fé e a ação do Espírito (nºs 1 e 2), o Papa afirma que “toda a criação está implicada neste processo de um novo nascimento e, gemendo, espera a libertação: trata-se de um crescimento escondido que amadurece, como ‘um grão de mostarda que se transforma numa grande árvore’ ou ‘o fermento na massa’ (cf. Mt 13, 31-33)” (nº 3).
Evocando Joaquim de Fiore (1135-1202) e o seu legado, o Papa constata: “Foi este espírito de amizade social e de fraternidade universal que propus na Fratelli tutti. E esta harmonia entre os homens deve estender-se também à criação, a partir de um ‘antropocentrismo situado’ (cf. Laudate Deum, 67), na responsabilidade por uma ecologia humana e integral, caminho de salvação da nossa casa comum e dos que nela vivemos” (nº 3).
Depois de algumas questões sobre o mal e da constatação do gemido da criação, sujeita a tantos atropelos e abusos do ser humano (nºs 4 e 5), Francisco leva-nos ao cerne da mensagem: “esperar e agir com a criação significa, antes de mais, unir forças e, caminhando juntamente com todos os homens e mulheres de boa vontade, ajudar a ‘repensar a questão do poder humano, do seu significado e dos seus limites. Com efeito, o nosso poder aumentou freneticamente em poucas décadas. Realizámos progressos tecnológicos impressionantes e surpreendentes, sem nos darmos conta, ao mesmo tempo que nos tornamos altamente perigosos, capazes de pôr em perigo a vida de muitos seres e a nossa própria sobrevivência’ (Laudate Deum, 28). Um poder descontrolado gera monstros e volta-se contra nós mesmos. Por isso, é urgente, colocar limites éticos ao desenvolvimento da inteligência artificial que, com a sua capacidade de cálculo e de simulação, poderia ser utilizada para dominar o homem e a natureza, em vez de estar ao serviço da paz e do desenvolvimento integral (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2024)”.
Entende o Papa que “a salvaguarda da criação não é apenas uma questão ética, mas eminentemente teológica: na realidade, diz respeito ao entrelaçamento entre o mistério do homem e o mistério de Deus. Pode dizer-se que este entrelaçamento é ‘generativo’, na medida em que remete para o ato de amor com que Deus cria o ser humano, em Cristo. Este ato criador de Deus confere e funda o livre agir do homem e de toda a sua dimensão ética: livre precisamente por ter sido criado na imagem de Deus que é Jesus Cristo; e, por isso, ‘representante’ da criação, no próprio Cristo. Há uma motivação transcendente (teológico-ética) que compromete o cristão a promover a justiça e a paz no mundo, também através do destino universal dos bens: é a revelação dos filhos de Deus que a criação espera, gemendo como se estivesse com as dores do parto. Nesta história, não está em jogo apenas a vida terrena do homem, está sobretudo em jogo o seu destino na eternidade, o eschaton da nossa bem-aventurança, o Paraíso da nossa paz, em Cristo Senhor do cosmos” (nº 8).
O Papa conclui afirmando que “esperar e agir com a criação significa, então, viver uma fé encarnada, que sabe entrar na carne sofredora e esperançosa das pessoas, partilhando a expetativa da ressurreição corporal a que os fiéis estão predestinados em Cristo Senhor. Em Jesus, (...) somos verdadeiramente filhos do Pai. Pela fé e pelo batismo, começa para o cristão a vida segundo o Espírito (cf. Rm 8, 2), uma vida santa, uma existência como filhos do Pai, à semelhança de Jesus (cf. Rm 8, 14-17), visto que, pela força do Espírito Santo, Cristo vive em nós (cf. Gl 2, 20); uma vida que se torna um cântico de amor para Deus, para a humanidade, com e para a criação, e que encontra a sua plenitude na santidade” (nº 9).
Esperar e agir com a criação implica necessariamente que escutemos o seu grito, façamos o que está ao nosso alcance para o minorar e para atenuar as suas causas.
1 Trata-se da intenção do Papa para este tempo. Constatando que a Terra está com febre e doente, pergunta Francisco: “Nós ouvimos esta dor? Ouvimos a dor de milhões de vítimas de catástrofes ambientais?”. Acrescenta que “temos de nos comprometer na luta contra a pobreza e a proteção da natureza, alterando os nossos hábitos pessoais e os da nossa comunidade”. E apela a que “rezemos para que cada um de nós ouça com o coração o grito da Terra e das vítimas das catástrofes ambientais e das alterações climáticas, comprometendo-nos pessoalmente a cuidar do mundo que habitamos”. As preocupações do Papa são confirmadas por estudos fidedignos: segundo o Fórum Econômico Mundial, os países com rendimentos menores produzem um décimo das emissões, mas são os mais afetados pelas alterações climáticas. Estima-se que, até 2050, as alterações climáticas descontroladas obrigarão mais de 200 milhões de pessoas a migrar dentro dos seus próprios países, empurrando 130 milhões de pessoas para a pobreza.