1. A propósito da discussão sobre o próximo Orçamento de Estado valerá a pena recordar o que se passou em 1995, quando o Eng. António Guterres era primeiro-ministro do XIII Governo Constitucional e o PS tinha vencido as eleições legislativas desse ano com maioria relativa. Existiam então no parlamento quatro forças políticas: o PS a que já me referi, o PSD ao tempo liderado pelo Dr. Fernando Nogueira, o CDS-Partido Popular que era presidido por mim, e a CDU (PCP/PEV) liderada pelo Dr. Carlos Carvalhas. O PS tinha elegido 112 Deputados, o PSD 88, o CDS-PP 15 e a CDU 15. A maioria aritmética estava do lado da oposição, pelo que um voto em sintonia do PSD, do CDS-PP e da CDU, equivalia a chumbo certo de qualquer proposta ou projecto que viesse do lado socialista. Foi pois com este cenário que o Governo de António Guterres, pouco tempo depois de ter iniciado funções, apresentou a sua primeira proposta de Orçamento de Estado. E foi também neste quadro que o PSD e a CDU, ainda antes início do debate parlamentar, anunciaram que votariam contra a proposta de orçamento do governo. Em sentido diverso, o CDS-PP anunciou que primeiro estudaria a proposta apresentada, que depois ponderaria a apresentação de propostas de alteração e que finalmente decidiria como votar. O resultado é conhecido: a proposta de orçamento seria aprovada com o voto favorável do PS, a abstenção do CDS-PP e o voto contra do PSD e da CDU. Foi a abstenção do CDS-PP que permitiu não só a aprovação do orçamento como a continuidade do governo. Mesmo que alguns dirigentes do PSD gostem de dizer que foi a responsabilidade do seu partido que permitiu a viabilização dos orçamentos do governo socialista na VII legislatura, não se podem esquecer – mesmo que às vezes o queiram – que não teriam existido outros orçamentos do XIII Governo Constitucional se o primeiro do mandato do Eng. António Guterres não tivesse sido viabilizado pela abstenção do CDS-PP.
2. Hoje como ontem o princípio a seguir deve ser o mesmo. Não é para mim concebível que políticos e partidos que se querem credíveis possam desde já anunciar como votarão o próximo Orçamento de Estado sem conhecerem as propostas que serão apresentadas. Como é a todos os títulos incompreensível que alguém faça depender essa votação de acordos ou de possíveis acordos, em relação a matérias totalmente distintas daquelas que são tratadas num orçamento. Só o desnorte, a incapacidade de se saber ser oposição e a falta de sentido de Estado podem justificar o injustificável. Em democracia os canais do diálogo construtivo nunca podem ser fechados e as rupturas que conduzam a interrupções do período normal das legislaturas só devem ser promovidas em circunstâncias claramente excepcionais. E não se diga que esta atitude contraria a afirmação própria e legítima de quem não é governo. A defesa dos princípios dos partidos da oposição pode até conduzi-los a apresentarem moções de censura, mas não isso não implica desrespeitarem a vontade eleitoral democraticamente manifestada em eleições realizadas há pouco mais de meio ano. Seria grave que o país fosse arrastado para uma crise política motivada por razões alheias ao próprio Orçamento de Estado, como seria grave se a imaturidade e a falta de consistência determinassem por si o sentido de voto dos Deputados.
3. É certo que os governos estão também obrigados a saber dialogar, principalmente quando não têm o suporte maioritário no parlamento. E essa obrigação de diálogo deve sempre superar a vontade de vitimização que conduza a eleições. Por muito que o «jogo político» convide a iniciativas do tudo ou nada, há um valor que deve estar constantemente em primeiro lugar e esse valor chama-se Portugal. Espero, sinceramente, que ele não seja por ninguém esquecido, pela simples razão de que ao contrário do que alguns julgam o país não está em condições de continuar a adiar-se a si próprio evitando e por vezes rejeitando reformas profundas que garantam a sua sustentabilidade. Podemos todos fantasiar, podemos querer continuar a ignorar o que é óbvio, mas uma Nação que não produz riqueza sólida para se manter é uma Nação incapaz de determinar o seu destino. E isso não poderá deixar de estar presente na discussão e votação do próximo Orçamento de Estado.