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Imagens e pessoas

1. Quando me sento diante de um aparelho de televisão para ver/ouvir mensagens seja de quem for não estou a ver pessoas, mas imagens dessas pessoas. 

Dizer, como às vezes acontece: vi-o hoje no jornal, não é de todo correto. O que o meu interlocutor viu, como eu mesmo vi, foi uma imagem de mim. 

A pessoa e a imagem são realidades distintas. A fotografia da minha Mãe – e tenho várias no quarto – não é a minha Mãe. Esta, cujos restos mortais se encontram no cemitério de Gondar, está, assim creio, na Bem-Aventurança eterna, na felicidade com Deus.


 

2. Da mesma pessoa podem existir diversas imagens. Representando-a em diversos locais, em diversas fases da vida, trajando desta ou daquela maneira. Essas diversas imagens representam a mesma pessoa.

Há várias imagens de Nossa Senhora, mas a que veneramos como Mãe de Jesus é uma só. Falar em Senhora de Fátima, Senhora do Sameiro, Senhora da Penha, Senhora da Abadia, Senhora do Alívio, Senhora da Peneda… são nomes que correspondem a imagens diferentes da mesma e única Senhora, a referida Mãe de Jesus.


 

3. Apresentar na mesma igreja ou na mesma procissão diversas imagens de Nossa Senhora pode induzir em erro pessoas menos atentas, levando-as, erradamente, a pensarem em diversas Nossas Senhoras quando isso não é verdade.

Apresentar, como alguma vez aconteceu, uma imagem de Nossa Senhora a «visitar» outra pode levar a concluir-se, erradamente, que se trata de pessoas diferentes. É algo de semelhante a dizer que a mesma pessoa se visita a si mesma! 

E colocar a Senhora do Sameiro a rivalizar com a Senhora da Penha, por exemplo? É um erro e um erro gravíssimo. Intolerável.


 

4. A imagem pode não corresponder ao que a pessoa, na sua fisionomia, é ou era.

Em muitos casos não corresponde mesmo. É o que pensa ter sido o artista que a desenhou ou esculpiu.


 

5. As imagens não são pessoas mas, porque as representam, são merecedoras do respeito devido às pessoas. 

Considero gravíssima ofensa rasgarem ou maltratarem uma fotografia da minha Mãe.


 

6. É um erro atribuir à imagem virtudes curativas, como revelam certos atos de discutível devoção popular, a exigirem uma atenta – e talvez corajosa – catequese.

Aliás, devo lembrar que os santos não fazem milagres. Milagres, só Deus. Os santos são nossos intercessores. 

Não foi a Mãe de Jesus quem, em Caná da Galileia, converteu a água em vinho: foi Jesus, a solicitação da Mãe (João 2, 1-11).

Os milagres atribuídos aos santos são realizados em nome e pelo poder de Deus. «Em nome de Jesus Cristo Nazareno, disse Pedro a um coxo de nascença, levanta-te e anda!» (Atos dos Apóstolos 3, 6; 4,11).


 

7. Não se reza às imagens. Mas pode-se, diante das imagens, falar com as pessoas que representam. 

O Cristianismo primitivo, ligado à tradição judaica e com receio da idolatria pagã, evitou em geral a representação de figuras sagradas por meio de imagens. Mas, a partir do século IV, começaram a surgir tais representações, sobretudo de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos Santos (Manuel Franco Falcão, Enciclopédia Católica Popular).

O Concílio de Niceia (ano 787) e mais tarde o de Trento (1545-1564) condenaram como heresia a proibição das imagens, admitindo o culto delas como relativo, prestado às pessoas por elas representadas.

Muitas vezes, se não forem as imagens, não nos lembramos das pessoas.


 

8. O facto de a imagem não ser a pessoa não justifica o mau gosto que algumas imagens revelam. Muitas, felizmente, são verdadeiras jóias de arte, que inspiram devoção. Graças a Deus.


 

9. Nota final. Posso, com o que escrevi, ter lembrado coisas que toda a gente conhece, passando, indevidamente, atestados de ignorância religiosa. Se ofendi alguém, as minhas desculpas. Como peço desculpa se, com isto, desperdicei o espaço que o benévolo Diretor do «Diário do Minho» me concede.

Silva Araújo

Silva Araújo

5 setembro 2024