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Revitalizar o SNS – Um desafio gigantesco

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) criado pela Lei n.º 56/79, publicada em Diário da República, concretizou o direito à saúde a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social.

Ao longo de mais de quatro décadas, o SNS elevou a qualidade de vida de milhões de cidadãos, reduziu as desigualdades na sociedade portuguesa e permitiu a Portugal colocar-se num lugar de topo mundial nos índices de saúde, como a esperança de vida e a mortalidade infantil.

Quem ainda se lembra de como era a Saúde no nosso país nesses já longínquos tempos das décadas setenta e oitenta do século passado recordar-se-á das enormes fragilidades vividas pela maioria da população portuguesa nesta área tão sensível.

Recordo com repugnância e tristeza as mortes de crianças por desidratação, por gastrenterites, por malnutrição e outras patologias banais. Lembro as altas taxas de mortalidade materna por ausência de seguimento na gravidez e por partos ocorridos no domicílio. Revivo a total ignorância de boa parte da população portuguesa sobre a importância e o valor dos alimentos e os mitos alimentados sobre o vinho. Relembro os elevados índices de alcoolismo, sobretudo nas gentes do mundo rural e as suas graves consequências. Enfim, evoco o tempo do Serviço Médico à Periferia quando jovens médicos, terminado o Internato Geral, eram colocados nos lugares mais inóspitos do interior e eram confrontados com a realidade acima descrita.

Não estou a exagerar!

A realidade, a par do analfabetismo endémico, era esta.

É evidente que nem tudo foi obra do SNS. A aposta nas infraestruturas sanitárias e a crescente melhoria das condições de vida também tiveram um papel importante na saúde dos portugueses. Tudo isto aconteceu, principalmente, após Portugal ter entrado na atual União Europeia a 1 de janeiro de 1986.

Desde a implementação do SNS tudo mudou.

O mundo e o país mudaram.

Os avanços científicos e tecnológicos têm sido imensos e os progressos farmacológicos também. Basta citar o campo da imagiologia com o surgimento da ecografia, tomografia e ressonância magnética para aquilatar da importância desta afirmação. Do mesmo modo, o crescimento da Genética e da Biologia Molecular, a par de outras áreas do conhecimento, vieram tornar a medicina muito mais cara.

Em paralelo, por necessidade de haver cada vez mais uma maior especialização, foram surgindo novas áreas do saber enquadradas em mais especialidades e subespecialidades. Toda esta diferenciação exige mais médicos, mais enfermeiros e mais técnicos.

Consequentemente, a medicina ficou progressivamente mais cara e a saúde viu subir exponencialmente os seus custos.

Simultaneamente, a população tornou-se mais consciente dos seus direitos, mais reivindicativa e mais exigente. 

As novas gerações de profissionais, na generalidade, já olham menos para os seus ofícios como “um verdadeiro sacerdócio” e requerem condições de trabalho dignas e compagináveis com as suas funções.

Tem-se assistido nos últimos tempos a uma certa mercantilização da saúde com uma progressiva tendência a encará-la como outro qualquer bem transacionável, com as nefastas consequências de colocar a vida no mesmo patamar doutra qualquer matéria ou serviço.

Ao longo dos anos, os sucessivos governos não souberam ou não puderam avaliar as sucessivas transformações a que o SNS foi estando sujeito. O financiamento para acudir a estas transformações foi sempre insuficiente, quer para o dotar com o número de profissionais suficiente, quer para o munir com o equipamento necessário para acompanhar o progresso científico e tecnológico. Sem este equipamento e sem condições de pôr em prática os conhecimentos adquiridos, muitos profissionais preferem abandonar o SNS e procurar outros locais onde possam exercer com satisfação pessoal e profissional.

Neste panorama, pese toda a boa vontade da Ministra da Saúde, Dra. Ana Paula Martins e do Governo no seu todo, revitalizar o SNS é uma tarefa hercúlea e um desafio gigantesco.

Que tenham o maior sucesso para o bem de Portugal e de toda a população aqui residente, são os votos que sinceramente lhes formulo.

J. M. Gonçalves de Oliveira

J. M. Gonçalves de Oliveira

26 junho 2024